Cada um por si: Pedestre é abandonado pelo poder público no DF

Em entrevista à imprensa, gerente do Detran do DF defende que o pedestre seja o responsável pela sua própria segurança, contrariando dispositivos previstos em lei

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Fonte: R7 Brasília  |  Autor: Du Dias/Mobilize Brasil  |  Postado em: 12 de dezembro de 2025

Pedestres tem deveres mas direitos são ignorados

No DF pedestres tem deveres mas direitos são ignorados

créditos: Agência EBC

 

“O pedestre às vezes deixa de cumprir regras fundamentais para a sua segurança. Nós costumamos dizer que o principal responsável pela segurança do pedestre é ele mesmo”, afirmou categoricamente a gerente de Ação Educativa de Trânsito do Detran-DF, Magda Brandão. A fala revela um tremendo descompasso de alguém que ocupa um cargo estratégico e de formação com a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), com o Código Brasileiro de Trânsito (CTB) e porque não, com qualquer preceito ético e moral.

 

A Lei nº 12.587, de 2012, (PNMU), por exemplo, orienta que o planejamento urbano e de transporte nos municípios brasileiros deva seguir uma hierarquia de prioridades, sendo a prioridade ABSOLUTA para os modos de transporte não motorizados (mobilidade a pé e em bicicletas, por exemplo). Em seguida viriam o transporte público coletivo e por último o transporte individual motorizado.

 

Pedestres não fazem travessias fora da faixa, ou quando o semáforo está vermelho para atentar contra suas próprias vidas, em uma espécie de suicídio involuntário, mas porque as infraestruturas urbanas e os tempos semafóricos são precários, inexistentes, insuficientes ou não garantem a prioridade estabelecida em lei, como previsto na PNMU. Colocar no pedestre a culpa pela omissão do Estado ao planejar as cidades é uma completa inversão de valores, que só serve para tentar legitimar a continuidade de uma política imoral, ilegal e assassina.

 

Em vez de reforçar políticas que garantam caminhabilidade segura e reduzir fatores estruturais de risco, este tipo comum de afirmação preconceituosa e irresponsável busca transferir ao pedestre a responsabilidade pelo que deveria ser obrigação do poder público (criar condições seguras de deslocamento) e dos demais usuários do sistema (especialmente os condutores de veículos motorizados).

 

O texto do CTB também é bastante claro, em seu artigo 29, inciso 2º, quando afirma que: “Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Se a Politica Nacional de Mobilidade estabelece as normas e diretrizes para o planejamento urbano, o Código de Trânsito diz como nós, usuários do Sistema Nacional de Trânsito, devemos nos comportar no uso diário do espaço urbano.

 

Segundo a matéria Atropelamento de idoso em Ceilândia alerta aumento de casos no DF, em 2025 o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal atendeu 2.550 ocorrências de atropelamentos, das quais 72 foram fatais. Enquanto gestores públicos continuarem atribuindo aos pedestres a culpa por esses eventos, não avançaremos na construção de políticas efetivas e de uma mobilidade urbana realmente sustentável ou sequer resolveremos os problemas de trânsito nas cidades brasileiras. 

 

O ativista e colaborador do Mobilize Brasil em Brasília, Uirá Lourenço, autor do blog Brasília Para Pessoas, revela que ouviu com profunda tristeza a declaração da representante do Detran na reportagem sobre atropelamentos e mortes. “Fico imaginando o sentimento dos familiares das muitas vítimas ao saberem que o órgão de trânsito culpa a própria vítima pela morte.”, lamenta.

 

“Percorro a cidade diariamente a pé e de bicicleta e vejo inúmeras infrações de motoristas: excesso de velocidade, furo de sinal vermelho e uso de celular (para falar e até para teclar enquanto dirigem). Atravesso com extrema cautela na faixa, pois vejo que já não se respeita mais como antes. Sem contar os vários obstáculos, como ausência de calçadas e de pontos seguros de travessia, mesmo na área central de Brasília.” completa o jornalista com especialização em gestão Ambiental.

  

“O que observo nas ruas é comprovado pelos inúmeros atropelamentos, pelas muitas mortes. Na via de acesso à ponte JK, cartão-postal da cidade, todo dia centenas de pessoas atravessam entre os carros velozes (o limite em boa parte da via é altíssimo, de 80 km/h) e ainda têm que pular mureta para chegarem vivas ao outro lado. Uma situação absurda que perdura tanto tempo e onde duas pessoas foram atropeladas no dia 12/11, uma delas (senhor de 83 anos) acabou morrendo.

 

Não dá para admitir que os sofridos pedestres sejam culpados pela selvageria nas pistas! Em vez de declarações, os órgãos de trânsito deveriam agir: melhorar a infraestrutura, reduzir o limite de velocidade, instalar mais pontos de travessia e reforçar a fiscalização contra motoristas velozes e imprudentes.”, completa o ativista.

 

O caso é emblemático, porque reflete um pensamento comum nos órgãos de planejamento e gestão da mobilidade urbana, mas também suscita uma reflexão: qual a possibilidade de sair desta armadilha, quando as pessoas responsáveis por ações educativas de trânsito, por exemplo, não conhecem ou não cumprem os dispositivos previstos em lei?

 

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