Recente mudança na lei de calçadas na capital paulista gera polêmica entre prefeitura e vereador. Leia as duas visões diferentes sobre o tema e tire suas conclusões
Em repercussão à recente mudança na lei de calçadas na capital paulista, o jornal Folha de S. Paulo publicou no sábado (20) duas opiniões divergentes sobre o tema: a do secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras, Chico Macena, e a do vereador Andrea Matarazzo, do PSDB.
No último dia 10 de abril, a Câmara de Vereadores de São Paulo aprovou mudanças na lei que responsabiliza o proprietário pelo trecho de calçada em frente a seu imóvel, devendo zelar por seu bom estado de preservação, sob pena de multa. O secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras, Francisco Macena da Silva, argumenta que a Prefeitura de São Paulo não dispõe de recursos para manter a área total das calçadas na cidade e defende que a nova determinação - segundo qual o proprietário tem 60 dias após a autuação para reparar o passeio e assim ser liberado de pagar a multa - cria no cidadão consciência do espaço público.
Já para o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), a responsabilidade pela manutenção das calçadas cabe exclusivamente à administração municipal, considerando-as como vias públicas para circulação de pedestres, da mesma forma que as ruas são para os veículos. Faltaria não o dinheiro, mas a necessária priorização dos passeios públicos, impedindo assim que se cobre dos proprietários de imóveis a reparação de danos que ele não causou.
Calçadas: ação integrada entre governo e cidadão

O secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras, Chico Macena, defende que não só a prefeitura deve zelar pelas calçadas. Segundo ele, a função pública das calçadas deve ser recuperada como espaço de circulação e de convívio social e, para tanto, sua reconstrução deve obedecer a um padrão arquitetônico que garanta a acessibilidade. "Esses objetivos só serão atingidos por meio de políticas públicas em que se integrem ações de governo e conscientização cidadã", observa.
Mas as ações do governo municipal, restritas a intervenções físicas ou de fiscalização, se mostraram ineficientes, analisou, ao mesmo tempo que o compromisso do paulistano com o espaço público foi diminuindo. "Cuidar bem da sua calçada já fez parte da tradição do paulistano", disse Macena, lembrando que a obrigação do munícipe de manter o passeio público em frente ao seu imóvel vem desde o decreto-lei 415, de 3 de junho de 1947.
Para ele, no entanto, a reconstrução de 235 km de calçadas nos últimos quatro anos pela Prefeitura mostrou o limite do poder público quanto à perspectiva de requalificar os estimados 35 mil km na cidade. E a lei 15.442 de 2011, aumentado o valor da multa para R$ 300 por metro linear, e aplicação desta sem antes dar ao proprietário a chance de arrumar a calçada, não surtiu efeito no conserto das calçadas danificadas.
Foram aplicadas 10.594 multas entre setembro de 2011 e dezembro de 2012, que somaram R$ 68,3 milhões, informa o coordenador. Desse montante, apenas 4,1 milhões foram pagos, menos de 10% do total. "Essa forma de aplicação da multa, além de não surtir o efeito apregoado, foi considerada injusta pelo prefeito Fernando Haddad, que propôs aos vereadores a mudança da lei", afirmou.
Nova lei
Aprovado na Câmara Municipal, estabelece prazo de 60 dias após a autuação para o responsável pelo imóvel regularizar sua calçada. Após a recuperação do espaço, a multa é cancelada. Segundo Macena, as subprefeituras terão disponível um manual de orientação das calçadas, e o valor das multas será destinado a construção e requalificação de passeios A atual gestão também prevê, no plano de metas, aumentar os recursos orçamentários para a recuperação de 850 mil m² de calçadas.
Se a administração municipal fosse arcar com mais esse encargo, explica Macena, seriam necessários mais de R$ 15 bilhões, valor equivalente a mais de 30% do orçamento anual da prefeitura, valor que a administração não dispõe. "A questão das calçadas não pode se tornar um debate oportunista; essa é uma discussão que precisa ser travada, inspirada na responsabilidade com toda a cidade", alega.
Isentar o proprietário da responsabilidade sobre as calçadas, sabendo da impossibilidade da prefeitura de assumi-las integralmente, criaria uma desorganização na obrigação legal, além de danos irreparáveis ao direito a calçadas seguras para circulação do pedestre, justifica o executivo. "A prefeitura não se exime de suas responsabilidades para garantir a acessibilidade e a mobilidade na cidade; queremos, porém, dividir essa responsabilidade com os moradores. O debate deve seguir e envolver a sociedade, mas de forma responsável. Quem sabe assim todos possam recuperar o direito à calçada".
Um problema do tamanho da cidade

Já para o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), a lei que flexibiliza multas para quem tem seu passeio danificado, recém-aprovada, "pode até atenuar o peso no bolso do cidadão, mas não resolve o problema". Ele entende que a calçada é "a via pública do pedestre, assim como a ciclovia é a via dos ciclistas, as ruas são as vias dos automóveis e os corredores são as vias dos ônibus".
Nesse sentido, Matarazzo já protocolou projeto de lei na Câmara de Vereadores que transfere para a prefeitura a responsabilidade pela recuperação e manutenção dos passeios públicos.
"A questão vai além da discussão de multas. Estamos falando de mobilidade urbana. São Paulo tem mais de 1,5 milhão de pessoas com deficiência. Por que não as encontramos nas ruas? Certamente pela impossibilidade de circular nas calçadas", declarou.
Segundo o vereador, Recursos não são fáceis, mas existem: "A falta de recursos tem sido, há anos, a justificativa que encerra a discussão sobre o tema. Há dinheiro para ruas, corredores, ciclovias. Então é natural que haja verba para fazer calçadas".
Desde 2008, uma lei municipal estabelece como rotas estratégicas 3.000 km de calçadas, que concentram 80% da circulação de pedestres, e que já são de responsabilidade do poder público. "Se existem regiões da cidade que não têm a questão fundiária regularizada, não é possível exigir que os proprietários façam as calçadas pois nem o título de propriedade dos imóveis eles têm", analisa. Também há áreas de interesse social, isentas de IPTU e portanto também a responsabilidade acaba sendo do poder público.
Como alternativa à lei agora aprovada, ele sugere instituir reembolso para grandes imóveis, shoppings, prédios públicos ou novos acima de determinada dimensão. "As calçadas seriam executadas pela Prefeitura e o custo reembolsado pelo empreendedor."
Colcha de retalhos
Hoje cada morador faz seu passeio de maneira aleatória, tornando a cidade uma colcha de retalhos intransitável, diz Matarazzo, e conclui: "Imagine se as ruas também fossem uma incumbência dos donos dos terrenos. Cada um faria o seu pedaço do jeito que achasse mais adequado ou bonito".
Somente a prefeitura pode estabelecer especificações técnicas rígidas e uniformes para as calçadas, que são tão importantes quanto as ruas, se não mais, sustenta o vereador: "Sempre entendi as calçadas como encargo do Executivo. O dono de uma casa não destrói a área na sua porta. Quem quebra é um agente externo, como as concessionárias de serviços ou até a Secretaria do Verde ao plantar uma árvore ou ainda quando suas raízes crescem e levantam o piso. Não faz sentido, portanto, cobrar o conserto do proprietário daquele imóvel", e conclui:
"É preciso mudar o conceito da manutenção de calçadas, tornando-as seguras, limpas, iluminadas e sinalizadas. São Paulo tem mais de 60 mil ruas e 35 mil quilômetros de passeios públicos. Por isso, a questão deve ser regida pelo Código de Trânsito: afinal, a circulação de pessoas por essas vias é similar ao fluxo de veículos pelas ruas, ambos de responsabilidade do poder público."