Brasilia Para Pessoas

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Publicado por Brasília no dia 05 de setembro de 2019

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Filas na Rodoviária do Plano Piloto, principal terminal de transporte do DF.

O assassinato de duas mulheres – Letícia e Genir – chama atenção pela brutalidade e covardia. Elas foram vítimas de um criminoso, mas também do transporte precário e humilhante. Ambas entraram no carro do assassino por acharem que se tratava de lotação.

O chamado transporte “pirata” é uma realidade e supre a necessidade de muitos trabalhadores que vêm de todo o DF e Entorno para a área central de Brasília. O sistema oficial de transporte, composto basicamente por linhas de ônibus (sem o prometido VLT e com apenas 42 km de metrô), caracteriza-se pela superlotação, desconforto e ausência de informação sobre linhas e horários. Surge, então, o sistema complementar e não oficial, com carros e vans que percorrem vias movimentadas como W3, L2, Eixo Monumental e Eixinhos. Na rodoviária do Plano Piloto também se ouvem os agentes desse sistema complementar anunciarem os diversos destinos.

É interessante notar o contraste entre o transporte público precário e a legislação. A Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, estabelece a prioridade ao transporte coletivo e garante aos usuários informações sobre itinerários e horários. A Lei Distrital n° 4.011, de 2007, afirma a prioridade ao transporte coletivo e os requisitos de qualidade no serviço prestado: “regularidade, segurança, continuidade, modicidade tarifária, eficiência, conforto, rapidez, atualidade tecnológica e acessibilidade”.

O Plano Diretor de Transporte (PDTU/DF), de 2011, tem entre as diretrizes a “implantação do sistema integrado de transporte público de passageiros do Distrito Federal e Entorno”. Em suma, temos leis de primeiro mundo, mas realidade de país pobre. A capital federal sintetiza os problemas e o descaso com a mobilidade nas grandes cidades do país. Muitas vezes, os recursos públicos são torrados em obras milionárias de túneis e viadutos que priorizam o transporte individual motorizado, em detrimento do transporte coletivo.

Superlotação nos pontos de ônibus. W3 Norte e Eixo Monumental.

Uma multidão percorre um caminho tortuoso para acessar o transporte: vias sem calçadas ou rampas, sem pontos seguros de travessia e com abrigos precários para a longa espera. No caso das mulheres, aos riscos de atropelamento e assalto somam-se os riscos de violência sexual. A longa distância entre os locais de moradia e trabalho e a precariedade do sistema de transporte obriga usuários a madrugar na busca por uma vaga espremida no ônibus ou lotação. Para os moradores do Entorno o ônus é ainda maior, com tarifa elevada e sem integração com o sistema do DF.

Genir, Letícia e outras mulheres foram vítimas da brutalidade de Marinésio, que se passava por motorista de lotação, mas também foram vítimas da omissão governamental no setor de transporte. Muitas outras mulheres de Arapoanga, Sol Nascente, Luziânia, Pedregal e outras regiões são brutalmente violentadas diariamente: para elas, o direito ao transporte seguro e confortável – estabelecido nas leis – é uma realidade distante.

Inacessibilidade e crateras no caminho. Esplanada dos Ministérios e W3 Norte.

Cabe às autoridades assumir sua parcela de culpa nas tragédias e investir de forma séria em mobilidade, com prioridade absoluta ao transporte coletivo. Não basta apenas ação repressiva contra as lotações. As melhorias devem contemplar ampla integração tarifária (DF e Entorno), pontualidade e confiabilidade, ampliação do metrô e das faixas exclusivas e corredores de ônibus.

Deve-se inverter a lógica atual perversa de que o transporte público deve servir apenas à parcela da população que ainda não teve condições de adquirir um carro ou moto. O sistema deveria ser usado por todos, inclusive pelo alto escalão do governo. Se as autoridades usassem ônibus todo dia, certamente teriam maior sensibilidade e se esforçariam em promover melhorias.

 

* Versão ilustrada do texto publicado originalmente no Correio Braziliense de 4/9/2019.

 

VÍDEOS:

 

– Passagens subterrâneas do Eixão

O vídeo revela as péssimas condições de travessia na via expressa de Brasília, conhecida como Eixão da Morte. Para as mulheres, a sensação de insegurança é ainda maior.

 

– Riscos na travessia – EPIG

Na Estrada Parque Indústrias Gráficas (EPIG) a falta de pontos de travessia põe em risco milhares de trabalhadores e trabalhadoras diariamente. Mesmo nas proximidades dos pontos de ônibus falta segurança na travessia.



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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