Brasilia Para Pessoas

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Publicado por Brasília no dia 05 de janeiro de 2024

Texto e fotos: Uirá Lourenço 

Este ano o Distrito Federal bateu a marca de 2 milhões de veículos motorizados registrados. Um número significativo e simbólico que deveria acender o alerta para o colapso e a insustentabilidade do modelo de transporte ainda vigente.

Costumo fazer uma análise no final do ano com base nas observações cotidianas e nas notícias. As grandes obras voltadas ao automóvel se destacam. Foram inaugurados dois grandes complexos viários: o túnel de Taguatinga e o viaduto do Sudoeste. Os anúncios e as notícias do Governo do Distrito Federal (GDF) não deixam dúvidas quanto à prioridade em tais obras: mais de 137 mil motoristas beneficiados pelo túnel Rei Pelé, com custo de R$ 275 milhões; mais de 25 mil motoristas beneficiados pelo viaduto do Sudoeste, ao custo de R$ 24,6 milhões.

A via Estrutural foi reformada (o asfalto das pistas foi trocado por concreto) ao custo de R$ 80 milhões e entregue em dezembro, mas não conta com espaço exclusivo para ônibus nem ciclovia.

Para quem se desloca sem carro os desafios continuam. Fui de bicicleta da Asa Norte até Taguatinga e passei sufoco. A ciclovia da EPTG (Estrada Parque Taguatinga) tem trechos sem continuidade e a parte final é tensa: sem infraestrutura para pedestres e ciclistas, sem ponto de travessia e com letreiro que informa a proibição de ônibus e seres caminhantes e pedalantes no túnel.

Túnel de Taguatinga: exclusivo para automóvel.

Na altura do ‘Terrível Trevo Sudoeste’ (TTSw) a dificuldade para ciclistas também é grande. Antes dava pra se virar bem, pedalar pelos canteiros e atravessar em nível até o Parque da Cidade. Agora, com diversas pistas e o viaduto, o risco é bem maior.1 Apesar do alto custo da obra, os pontos de ônibus na EPIG (Estrada Parque Indústrias Gráficas) continuam precários, sem informações sobre linhas e horários e superlotados no fim do dia.

Pontos de ônibus na EPIG – sem melhorias, apesar da obra do viaduto.

O descompasso entre as leis e a realidade das ruas é bem evidente. A Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, tem como diretriz a ‘prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado’. O Plano Diretor de Transporte e Mobilidade (PDTU/DF), de 2011, tem entre os objetivos ‘reduzir a participação relativa dos modos motorizados individuais’ e ‘priorizar, sob o aspecto viário, a utilização do modo coletivo de transportes e a integração de seus diferentes modais’. A Política Distrital de Incentivo à Mobilidade Ativa (PIMA), de 2019, tem entre as diretrizes ‘conforto e segurança nos deslocamentos dos pedestres e usuários da mobilidade ativa’.

Novos trechos de calçada e de ciclovia foram construídos, como na Octogonal e no Setor Policial. Na Esplanada dos Ministérios as calçadas foram reformadas. Mas ainda existem muitos locais sem calçada e os ‘caminhos de rato’ (linhas de desejo) são uma marca registrada da cidade.

Calçada reformada na Esplanada dos Ministérios e novo trecho de calçada na Octogonal.

Segundo a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), o DF termina o ano com 675 km de ciclovias e ciclofaixas. Infelizmente, apesar do noticiado, não se trata de uma malha cicloviária e, sim, de fragmentos de caminho para ciclistas. A infraestrutura sem conexão cria gargalos e certamente contribui para o baixo número de ciclistas. No trajeto diário casa-trabalho passo pelo Eixo Monumental e o cenário se repete: ciclovia vazia e pistas transbordando de carros. Outro grave problema é a falta de iluminação. Incrivelmente as ciclovias da área central de Brasília ficam no breu à noite.2 

Ciclovia vazia (Eixo Monumental) e ciclovia sem continuidade (EPTG).

Quanto ao transporte coletivo, não observei nenhuma nova faixa exclusiva de ônibus. Pelos dados oficiais existem apenas 150 km de faixas exclusivas e corredores de ônibus. Um ponto positivo foi a renovação da frota. Segundo a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), três empresas renovaram integralmente a frota de ônibus e as outras duas empresas que operam o sistema renovaram parcialmente. As obras no Setor Policial prometem melhorias: BRT do Corredor Eixo-Oeste, que seguirá até o Terminal Asa Sul.

O metrô não foi ampliado e os problemas de manutenção continuam, inclusive com explosão perto da estação central, em outubro, e interrupção no funcionamento de todas as estações em dezembro. Notícia do G1 revela que em 2023 foram registradas 54 interrupções no funcionamento do metrô. Segundo notícia do Correio Braziliense, o investimento no metrô vem caindo ao longo dos anos: R$ 17,1 milhões em 2019 e R$ 2 milhões em 2023. O Metrô-DF informa que abriu três novas estações nos últimos três anos e que está em fase final de licitação a expansão da linha 1 para Samambaia.

Ainda quanto ao transporte sobre trilhos, o trem regional entre Brasília e Valparaiso/GO está longe de virar realidade. Em junho de 2019 o governador Ibaneis fez uma viagem teste, junto com outras autoridades, e prometeu a ligação por trem entre o DF e Goiás. Será que o trem descarrilhou antes de funcionar pra valer?

Percebe-se que a mobilidade urbana tem sido pautada no noticiário e é objeto de discursos e debates entre os deputados distritais. A Zona Verde (estacionamento rotativo pago), o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a Tarifa Zero e a concessão da Rodoviária do Plano Piloto são algumas das propostas discutidas.

Falta maior pressão social por melhorias efetivas de forma a incentivar que as pessoas migrem do transporte individual motorizado (carro e moto) para ônibus, metrô, bicicleta e outros modos saudáveis de transporte. Precisamos de Linhas Verdes de verdade, em que os ônibus sigam com agilidade e que os pontos de embarque sejam confortáveis, com informações em tempo real sobre linhas e horários. Por enquanto, nossa ‘Linha Verde’ (EPTG) não é tão atrativa para quem deixa o carro em casa.   

Cenas da EPTG, ‘Linha Verde’.

Os desafios são muitos na mobilidade e as cidades modernas – como Berlim, Nova York e Paris – mostram o caminho: investir no transporte coletivo, integrado aos modos ativos, e desestimular o uso do carro. Mas a capital federal segue na contramão da tendência moderna e continua apostando no automóvel. A Cidade Parque vai sucumbindo e as áreas verdes dão lugar a pistas, estacionamentos e viadutos.

________________________________

1 As intervenções e obras voltadas ao fluxo motorizado nitidamente dificultam pedestres e ciclistas, a exemplo do que aconteceu no ‘Terrível Trevo Norte’ (TTN) e agora no trevo rodoviário construído na entrada do bairro Sudoeste. Vídeos gravados em diferentes vias do Distrito Federal mostram o alto risco de travessia.

2 O blog reúne solicitações feitas ao longo do ano na ouvidoria do GDF sobre calçadas e ciclovias destruídas e sem conexão, entre outros problemas de imobilidade e inacessibilidade. Infelizmente, a grande maioria não é atendida. Os registros na ouvidoria e as respostas podem ser vistas no link (clique para acessar).

VÍDEOS:

Alguns vídeos gravados em 2023 que mostram a imobilidade e a insegurança no trânsito.



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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