Brasilia Para Pessoas

22
maio
Publicado por Brasília no dia 22 de maio de 2016

Texto e fotos: Uirá Lourenço

 

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As novas calçadas em construção no Eixo Monumental repercutiram na rede social especialmente pelo risco de dano à vegetação. Apesar de relevante, o eventual corte de árvores não é o principal questionamento. O investimento em construção de calçadas é, em princípio, positivo. No entanto, diante da escassez de recursos públicos e do estado de caos aos pedestres – com calçadas destruídas e convertidas em estacionamento, rampas inexistentes ou bloqueadas – causa perplexidade a obra de calçadas nas duas laterais do canteiro, por onde poucas pessoas passam a pé.

 

Vale destacar que no Eixo Monumental as calçadas já existentes estão deterioradas e ficaram de fora do amplo recapeamento viário promovido em 2014. Andar nas calçadas que margeiam o estádio, o ginásio e o parque da cidade consiste em tarefa olímpica. No início de abril se encerrou a campanha nacional Calçada Cilada, na qual os cidadãos denunciaram o mau estado das calçadas em mais de 70 cidades. A capital federal se destacou em segundo lugar, com 231 reclamações de buracos, bloqueios e total inacessibilidade aos que caminham. A fama de capital moderna, em que se respeita o pedestre, sucumbe num curto trajeto pela Esplanada dos Ministérios: da rodoviária do Plano Piloto até a catedral sobram crateras e falta acessibilidade.

 

DSCN7598_12-05-2016_Esplanada_Rodoviaria_Calcada_destruida_Pedestres_Bicicletas_editPedestres em calçadas abandonadas e sem acessibilidade, na Esplanada dos Ministérios. DSCN3246_22-04-2016_EixoMonumental_Calcada_Carro Agefis_Pedestres_editPedestres desviam de carro do governo, estacionado irregularmente em calçada estreita e destruída do Eixo Monumental.

 

Novas calçadas não resolverão os graves problemas de acessibilidade. Antes de construir calçadas em canteiros com pouco movimento de pessoas a pé, seria pertinente considerar a situação de completo abandono das calçadas em locais com grande circulação de pedestres, como o setor de rádio e tv, setor hospitalar e W3 (norte e sul). Além das crateras, os pedestres têm que desviar dos carros nas calçadas e nos canteiros (cena lamentável e corriqueira).

 

Há diversos lugares sem calçada no DF, com linhas de desejo bem demarcadas no canteiro. Locais por onde as pessoas já caminham, mas falta infraestrutura. Nestes pontos se justificam novas calçadas. A mobilidade a pé deve ser pensada de forma estratégica e integrada, num projeto maior de cidade saudável, em que se possa caminhar, pedalar e usar outro meios não poluentes de transporte. Calçadas em canteiros, desconectadas de outras calçadas, podem servir para esporte e lazer, mas terão pouca serventia aos que caminham todo dia para chegar ao trabalho ou acessar o transporte coletivo.

 

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Locais sem calçada em Brasília, onde as linhas de desejo (“caminhos de rato”) estão bem demarcadas.

 

Outro ponto relevante refere-se à publicidade, à transparência governamental. Não há placa no Eixo Monumental que indique o custo e os detalhes da obra. Supõe-se ser calçada pelo fato de já haver ciclovia construída bem ao lado. Nos diversos sítios eletrônicos do GDF, incluindo secretarias de mobilidade, de infraestrutura e de gestão do território, também não se encontra qualquer informação sobre o projeto e a obra. Não dá para saber o custo e a extensão das calçadas, ou se houve qualquer consulta pública ou estudos prévios para fundamentar o projeto. Apesar de ser um direito do cidadão “participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana”, previsto no artigo 14 da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a falta de informações básicas impede o exercício desse direito pelo cidadão.

 

Precisa-se pensar em medidas efetivas de mobilidade urbana, sem grandes obras e com ações relacionadas à segurança no trânsito, à humanização da cidade. Um pacote de incentivos à mobilidade saudável inclui necessariamente redução do limite de velocidade nas vias, educação e fiscalização de motoristas quanto ao respeito a pedestres e ciclistas, ampliação dos pontos de travessia, criação de praças e espaços de convivência e melhorias no transporte coletivo.

 

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Eixão, símbolo do modelo rodoviarista atrasado: alto limite de velocidade (80 km/h), foco na fluidez motorizada e dificuldade de travessia.

 

Quando um cadeirante conseguir em segurança ir do hospital Sarah até o parque da cidade, ou um paciente com muletas conseguir andar com conforto e de forma independente pelo setor hospitalar, ou ainda quando um turista cego conseguir chegar ao Museu da República ou ao Palácio do Itamaraty, talvez possamos pensar em calçadas nos canteiros. Por enquanto, as belas e largas calçadas no canteiro exuberante parecem um devaneio governamental, um luxo para ser admirado por quem passa de carro. Resumindo, algo para gringo ver.

 

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– Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense (16/5/2016).

 

– Vídeo sobre a imobilidade na capital federal: https://youtu.be/f-XMK1WrkMU

 

– Fotos da imobilidade em Brasília: https://photos.google.com/album/AF1QipPaO-gLPe7FOIWQc2jBuczemguSEU14Ei6rEDsw

 

– Na seção Queixas da Imobilidade, do blog Brasília para Pessoas, há extensa lista de queixas publicadas em jornais, incluindo os problemas diários a quem caminha: https://brasiliaparapessoas.wordpress.com/queixas-da-imobilidade/



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  1. […] Fonte: Mobilize […]

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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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