Ciclovias fazem bem a cidades e pessoas

Audiência sobre ciclovia em Vitória (ES) gera debate sobre vagas de estacionamento. Em artigo, urbanista explica porque a ciclovia é melhor até para o comércio

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Fonte: Vitória que Queremos  |  Autor: Pedro Henrique Negreiros*  |  Postado em: 24 de junho de 2019

Proposta de ciclovia na av. Rio Branco, em Vitória

Proposta de ciclovia na av. Rio Branco, em Vitória (ES)

créditos: Perspectiva da PMV sobre imagem do Google

 

Na ultima terça (18/06), estive na audiência pública realizada pela Prefeitura de Vitória (PMV) para debater o projeto da ciclovia da Rio Branco. De modo geral, o evento foi positivo, mas ocorreu o de sempre em audiências: muita gente querendo falar, pouca gente querendo ouvir.

 

De um lado, pessoas defendendo a ciclovia. Do outro, no lado contrário ao projeto da PMV - aparentemente a maioria -, uma fala foi quase unânime: “não sou contra a ciclovia, mas...”.

 

No meu entendimento, todos querem (ou aceitam) a ciclovia. O que está desagradando no projeto da prefeitura é, principalmente, a retirada de 85 vagas de estacionamento de um dos lados da avenida.

 

O grupo contrário à proposta da prefeitura defende uma ciclovia unidirecional de 1,20 m de cada lado do canteiro central e mantêm as vagas de estacionamento.

 

Acredito que o rumo da audiência teria sido outro se, após a apresentação da proposta alternativa, a PMV tivesse tido a oportunidade de explicar se ela é viável e, caso não seja, porquê.

 

A primeira coisa, portanto, é entender se cabem, na Rio Branco, duas calçadas do tamanho atual, duas faixas de estacionamento do tamanho atual, quatro faixas de rolamento do tamanho atual, duas ciclovias unidirecionais de 1,20m livres, dois gradis entre as ciclovias e as pistas, as árvores e suas raízes.

 

Na minha opinião, essa proposta seria a melhor opção por ser a menos polêmica, mas até o momento não estou convencido de que ela seja viável sem que se corte de algum lugar. Primeiro, porque fui à PMV e ouvi uma explicação técnica convincente e, segundo, porque acredito que se fosse possível fazer a ciclovia nas dimensões recomendadas e manter as vagas dos dois lados da avenida, a prefeitura não iria se indispor com tanta gente, propondo um projeto que retira as vagas.

 

Assumindo, então, que alguma coisa tenha que ser cortada, a discussão deveria ser o que cortar. Seguem as opções:

1. Diminuir as calçadas: Felizmente, ninguém propôs isso... ainda.

 

2. Diminuir as faixas de estacionamento: Não é possível, pois muitas já estão com 2 metros, menos que o mínimo recomendável e que o exigido no Plano Diretor Urbano (PDU).

 

3. Diminuir as faixas de rolamento: Não é recomendável, pois atrapalharia a passagem de veículos maiores, como ônibus e ambulâncias.

 

4. Retirar as árvores necessárias: Acredito que ninguém queria isso.

 

5. Reduzir a largura das ciclovias: Essa, provavelmente, seria a opção da maioria, mas não vejo como boa ideia, pelos seguintes motivos:

- A ciclovia também será utilizada por crianças, idosos, mães com crianças, entregadores de comida, correspondências e ciclistas de carga em geral (como na foto abaixo);

- A ciclovia deve permitir ultrapassagens. Experimente pedalar ao lado de outra pessoa dentro de uma faixa com 1 metro de largura;

- Para fazê-la, pode não ser necessário retirar árvores, mas será necessário cortar as raízes de muitas, como mostra o exemplo abaixo. Recomendo andarem na Rio Branco para observar cada árvore. Se a ciclovia for feita sem retirar as árvores, mas cortando essas raízes, e daqui um tempo essas árvores morrerem, quem irá se responsabilizar?

 

 

6. Retirar as vagas de um dos lados: É a opção que a PMV está propondo e que assusta à maioria das pessoas. É normal: ninguém é obrigado a conhecer os estudos que mostraram aumento nas vendas e valorização dos imóveis onde foram construídas ciclovias (mesmo nos casos em que foram retiradas vagas), nem ter viajado o mundo para constatar que as principais ruas comerciais dos países desenvolvidos não possuem vagas e muitas vezes nem carros.

 

Na verdade, não é possível fazer nenhuma afirmação sobre os efeitos do projeto da PMV sobre o comércio da Praia do Canto (nem que vai melhorar, nem que vai piorar), mas seria sensato não ignorar as informações abaixo: 

- Apenas metade das vagas da Rio Branco no trecho da Praia do Canto seriam retiradas. E no trecho de Santa Lúcia as vagas permaneceriam. O número de vagas retiradas representa cerca 5% do total do bairro, bem menos que a ociosidade, que chega a 40%, de acordo com dados fornecidos pelo rotativo.

 - Em Nova York, o comércio registrou aumento nas vendas em ruas com ciclovia até 16 vezes maior que nas ruas sem ciclovia. Link para o estudo

- Pesquisadores da Portland State University mostraram que de carro as pessoas foram a um mercado em média 9,9 vezes por mês e gastaram cerca de US$ 7,98 por visita, fazendo um total de US$ 79,73 mensais. Já quem estava de bicicleta visitou mercados em média 14,5 vezes, gastou cerca de US$ 7,30 por viagem, o que dá um total de US$ 105,66 por mês. Link para a matéria. 

- Em Melborne, na Austrália, um estudo mostrou que mesmo espaço ocupado por um carro, quando ocupado por bicicletas, rende 3 vezes mais para o comércio local. Link para o estudo. 

- Melhoras no comércio também foram registradas em São Paulo. Link para a matéria. 

- Carros elétricos e autônomos são um caminho sem volta. O transporte sob demanda irá crescer e a demanda por vagas diminuir. Brigar para manter vagas é brigar por algo que será obsoleto num futuro mais próximo do que imaginamos. Link para uma das muitas matérias sobre o tema.

 

Para concluir, incluímos fotos de algumas das principais vias comerciais do Brasil e do mundo:

 

Por fim, vale a pena acessar a página da urb-i, que apresenta o antes e depois de mais de 3 mil ruas requalificadas pelo mundo. Abaixo alguns exemplos:

A conclusão que eu chego é que a proposta alternativa seria o melhor dos mundos, mas, se comprovando que, de fato, não seja possível acomodar todos os elementos, como tal proposta acredita poder, o que faz mais sentido ser cortado, são as vagas. Em outras palavras, os comerciantes não são contra a ciclovia e a PMV não é contra as vagas, mas se tivermos que escolher entre uma ou outra, deveríamos nos inspirar nos lugares que deram certo e escolher tirar as vagas.

 

Gostaria, ainda, de comentar alguns pontos que foram citados na audiência:

 

O projeto da PMV impede o raio de giro de 4,60 dos carros para acessarem as garagens.
R: Que bom, quanto menor a velocidade que os carros tiverem ao acessar as garagens, menor o risco de acidentes com pedestres nas calçadas.

 

Temos que aprender com os lugares que deram certo. R: Ver fotos apresentadas acima.

 

Na Faria Lima e na Av. Paulista a ciclovia fica no canteiro central. R: No projeto da PMV também. E nenhuma das duas avenidas citadas possuem vagas, conforme mostram as fotos acima.

 

Por que não fazer a ciclovia em outras ruas, como a Constante Sodré ou a Aleixo Neto? R: Porque os ciclistas vão continuar passando pela Rio Branco, já que o PDU prevê a ciclovia ali e porque é ela que faz a ligação da Leitão da Silva com a ponte Ayrton Senna.

 

Por que não fazer a ciclovia no canto da via, em vez de no canteiro central? R: Esta pode ser uma boa ideia e foi apresentada por um urbanista no final da audiência. Pelo que sondei, os ciclistas preferem assim, inclusive.

 

A audiência foi positiva do ponto de vista da democracia, mas as discussões poderiam ter sido melhores se tivessem o foco certo. De qualquer forma, estamos caminhando e espero que vença a proposta que garanta a ciclovia com a largura recomendada e as árvores mantidas, seja ela a da PMV qualquer outra.

  

*Pedro Henrique Negreiros é Arquiteto e Urbanista (UFES), mestre em Engenharia Urbana com pesquisa em Desenho Urbano para Cidades Inteligentes (UFRJ) e morador da Praia do Canto, em Vitória. Texto publicado originalmente no blog Vitória que Queremos com o título "A audiência pública sobre a ciclovia da Rio Branco".


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