Sugestões de grupos sociais à proposta de Zona Verde em Brasília

Na sexta-feira (14), grupos da Capital Federal enviaram contribuições para aperfeiçoar o projeto do GDF de cobrança pelas vagas públicas. Uirá Lourenço traz os detalhes

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Fonte: Brasília para Pessoas/ Mobilize  |  Autor: Uirá Lourenço/ Brasília para Pessoas  |  Postado em: 17 de agosto de 2020

Zona Verde, estímulo à ocupação racional do espaço

Zona Verde, estímulo à ocupação racional do espaço público

créditos: Agência Brasília

Na última sexta-feira (14) encerrou o prazo para envio de sugestões ao projeto Zona Verde, de cobrança pelas vagas de estacionamento em área pública. O blog Brasília para Pessoas e outros grupos se reuniram para analisar a proposta e buscar melhorias, pois percebemos fragilidades. Foi um período intenso de trabalho, afinal há muitos documentos disponibilizados pelo Governo do Distrito Federal (GDF). Também participamos de debates (lives) sobre o tema, promovidos pelo deputado Leandro Grass e pela Rede Urbanidade.

 

No total, enviamos por e-mail mais de 10 contribuições ao GDF com o objetivo de melhorar a proposta e integrar as ações de forma sistêmica. A vinculação dos recursos da Zona Verde e o valor de repasse ao governo (outorga) são pontos importantes. Entendemos ainda que o governo deve se comprometer a melhorar a mobilidade, indicando as ações voltadas ao transporte coletivo e à mobilidade ativa.

 

Vale lembrar que o estacionamento rotativo pago, conhecido como zona azul, é comum em muitas cidades brasileiras – tanto de grande porte, quanto cidades menores do interior – e pode trazer ganhos significativos para a população. A rotatividade traz benefícios para o comércio e para os próprios motoristas, que terão mais facilidade para encontrar vaga.

 

A seguir, a nota assinada por grupos de Brasília que buscam uma cidade humanizada, com melhorias na mobilidade:

 

"Apoio crítico ao Projeto Zona Verde – Estacionamento público pago em Brasília

 

Manifestamos nosso apoio à proposta de implantar estacionamento público pago em Brasília. Essa proposta é adotada na maior parte das grandes, modernas e desenvolvidas cidades do mundo e vai ajudar Brasília a entrar nesse seleto grupo.

 

O estacionamento público pago é importante para regular melhor os espaços públicos construídos e mantidos por todos, mas privatizados por usuários de carros particulares. A maior parte da população paga e poucos usam.

 

O estacionamento público pago é importante para que o transporte público coletivo e a chamada mobilidade ativa – a pé ou de bicicleta – tenham investimentos que permitam à cidade cumprir a legislação nacional, onde todos os demais modos de transporte devem ter preferência em relação aos carros individuais.

 

O estacionamento público pago é importante porque ajuda a preservar o Plano Piloto – Patrimônio Urbanístico Mundial – e combater a invasão de áreas verdes e de calçadas pelos carros, evitando que essa pensada Cidade Jardim venha a se transformar em Cidade Parking.

 

A proposta traz uma boa ideia, MAS precisa de ajustes. Esse também é o objetivo desta Nota: apresentar ao Governo e à população sugestões para que uma boa ideia não seja desperdiçada por uma ruim estratégia de implantação.

  

Dificuldade para estacionar em quadra comercial do DF. Foto: Uirá Lourenço/Brasília para Pessoas

  

A seguir, nossas propostas:

 

I. Alterar os objetivos do projeto para:

1) Implantação do estacionamento público rotativo;

2) Combate ao estacionamento irregular e à invasão, privatização ou degradação de áreas e equipamentos públicos; e

3) Destinação de recursos para investimentos, qualificação e manutenção do sistema de transporte coletivo e na mobilidade ativa.

 

Justificativa:

Dada a diretriz da Política Nacional de Mobilidade Urbana de que haja a integração da gestão de todos os modos de transporte, o alcance do objetivo de melhorar o uso das vagas de estacionamento existentes por meio da promoção da rotatividade poderá não ser alcançado se não for combatido o estacionamento irregular (algo corrente, tanto no centro comercial da cidade quanto nas áreas residenciais) e sejam destinados todos os recursos para a melhoria dos demais modais. Tal ação coordenada permitirá que os usuários que possam escolher por não utilizarem o veículo particular passem a usar os demais modos de transporte e, para fidelizá-los, sejam-lhes oferecidos modos de transporte de qualidade, seja ele o transporte coletivo ou os meios de mobilidade ativa.

 

II. Quanto aos recursos arrecadados, sugerimos:

1. Vinculação legal da destinação total dos recursos da outorga inicial e das outorgas parceladas ao transporte coletivo ou à mobilidade ativa;

2. Gerenciamento dos recursos arrecadados em Fundo legal específico vinculado exclusivamente à mobilidade urbana; 

3. Reativação do Conselho de Mobilidade do Distrito Federal (Decreto nº 36772, de 2015) como instância de controle social da implementação do projeto, atribuindo-lhe competência sobre o acompanhamento do cumprimento dos seus objetivos, da avaliação dos indicadores e metas, da arrecadação e da destinação dos recursos arrecadados, tanto pelas outorgas quanto para as atividades de fiscalização e regulação.

 

Justificativa:

Esse projeto promoverá a geração de receita financeira não prevista no orçamento do GDF oriunda das tarifas arrecadadas (nomeadas outorgas inicial e parciais – inclusive com valor neste caso muito baixo – 10% – enquanto outras cidades utilizam percentual de até 30%. Além dessa receita nova, há ainda a desoneração parcial das ações do Governo para as atividades de gestão, manutenção, fiscalização e regulação dos estacionamentos públicos. 

 

Assim, se ele gerará receitas públicas oriundas do setor de mobilidade urbana, o retorno dessa arrecadação a esse mesmo setor deve reduzir resistências que normalmente se apresentam quando da implantação de qualquer novo custo à população. Aos usuários é preciso ser oferecida alternativa para sua locomoção e para isso o investimento da receita na melhoria do transporte público e na mobilidade ativa são essenciais. Várias das ações encontram-se previstas no próprio Plano de Mobilidade Ativa do DF, objeto de recente consulta pública pelo GDF.

 

A gestão moderna e transparente desses recursos pode ser feita por meio de Fundo legal e graças ao maior controle social sobre seu gerenciamento, o que impedirá o desvio dessa nova receita para cobrir despesas gerais do Governo. Essas previsões certamente farão com que o projeto seja mais efetivo e promova de fato uma gestão integrada da mobilidade urbana.

 

III. Quanto à empresa que irá implementar o projeto, sugerimos:

1. Estudo sobre o gerenciamento preferencial do projeto por empresa pública existente;

2. Divisão do projeto e das vagas em diferentes lotes, permitindo a distintas empresas serem contratadas e concorrerem entre si, sem monopólio;

3. Impedimento de que os diferentes lotes propostos sejam adquiridos por menos de 3 (três) empresas;

4. Definição clara dos órgãos que receberão os recursos para fiscalização e regulação.

 

Justificativa:

O projeto não traz a opção de ser implementado por empresa pública, o que impede uma comparação técnica e financeira que justifique a escolha de empresa privada. É fundamental que essa análise seja feita antes da definição do certame, o que permitirá uma defesa do modelo atual ou sua reformulação institucional. Uma definição açodada da alternativa poderá ser danosa à modelagem técnica e financeira do projeto, que se pretende implementar por pelo menos 30 anos.

 

Por outro lado, colocar “todos os ovos numa mesma cesta” não parece financeiramente inteligente para que se busque maior concorrência e, se possível, melhores condições financeiras e para a prestação dos serviços. Da mesma forma, como qualquer contrato, é preciso que haja cláusulas de penalização, inclusive com a possibilidade clara de rescisão do contrato, situação que poderá requerer a expertise de outras empresas para a substituição da empresa originalmente contratada. Assim, a divisão em lotes de empresas e a obrigação de que haja pelo menos três prestadoras do serviço poderá fazer com que a concorrência inicial não finde na assinatura do contrato. Outro ganho futuro dessa divisão poderá ser a expansão do projeto para outras áreas do Distrito Federal sem a necessidade de manutenção de um monopólio por vezes desastroso para a prestação de serviços públicos.

 

Outro aspecto relevante é a definição prévia dos órgãos e atividades a que serão destinados os recursos para fiscalização e regulação. O Edital não deixa claro que órgãos e atividades são esses. Importante destacar que ambas as atribuições são fundamentais para que os objetivos sejam alcançados: sem fiscalização do serviço ou de estacionamentos irregulares, não haveremos de ter solução para a farra de carros sobre áreas e equipamentos públicos vigentes atualmente; e sem uma regulação efetiva, poderemos ficar reféns de minúcias de texto o que poderá implicar na convivência eterna com um serviço de baixa qualidade.

 

IV. Quanto às etapas de implementação do projeto, sugerimos uma FASE PRELIMINAR, logo após a definição da(s) empresa(s) constando de:

1. Contratação pela empresa (ou empresas) responsável pela implementação do projeto do sistema informatizado (aplicativo) para a arrecadação e gestão financeira do projeto para uso compartilhado, neste caso quando forem empresas privadas, sendo este totalmente aberto e tornado propriedade pública pelo GDF;

2. Implementação de faixas ou corredores de rolamento exclusivo para ônibus nas vias do Plano Piloto que favoreçam esse meio de transporte em relação aos veículos particulares;

3. Interligação de todas as ciclovias existentes no Plano Piloto, dando continuidade e segurança ao uso desse modal;

4. Implantação de paraciclos e bicicletários em terminais de ônibus e estações do Metrô, bem como em pontos estratégicos no centro da cidade; e

5. Definição e divulgação do plano de aplicação dos recursos da outorga inicial no transporte público e na mobilidade ativa.

 

Justificativa:

O projeto tem três grandes áreas envolvidas para sua execução: 1) o financiamento da outorga inicial; 2) a execução das ações físicas em novos estacionamentos (6000 vagas), melhoramento e manutenção dos estacionamentos atuais; e 3) os sistemas informatizados de controle e gestão. Dessa forma, caso se decida por dividir o projeto em distintos lotes ou para diferentes empresas, estará garantido que o sistema informatizado será único e seus custos de criação e manutenção gerenciados coletivamente.

 

Antes do efetivo funcionamento, é fundamental que o Governo sinalize (e execute, mesmo que parcialmente) as melhorias citadas permitindo uma migração dos usuários de carros para o transporte público e para a mobilidade ativa o que, certamente, permitirá uma maior e melhor aceitação do projeto pela população. Assim, vias exclusivas para ônibus, interligação de ciclovias e a instalação dos equipamentos para bicicletas nos pontos de conexão com outros modais são fundamentais à conquista de novos usuários para essas formas de locomoção.

 

Igualmente, a definição e divulgação do plano de aplicação da outorga inicial será um fator muito positivo para a redução de eventuais resistências ao projeto, além de ser uma ferramenta de controle social imprescindível em projetos que perdurarão por mais de um governo.

 

V. Quanto aos estacionamentos propriamente ditos, sugerimos:

1. Não execução de qualquer novo estacionamento no Plano Piloto;

2. Rever ou definir as novas 6000 vagas de estacionamento previstas na proposta em áreas externas ao Plano Piloto;

3. Revisão do investimento nos bolsões do setor Ipê Branco na criação de novas vagas, quando possível, buscando incentivar a mobilidade por transporte público e ativa nas cidades onde moram os usuários do BRT e do Metrô.

 

Justificativa:

O uso da quantidade de vagas existente no Plano Piloto precisa ser otimizado. Daí porque acreditamos que o estacionamento rotativo vai ao encontro de se reduzir investimentos públicos que são hoje destinados à apropriação exclusiva por usuários de carros particulares. Definir desde já que não haverá aumento de parques para estacionamento no Plano Piloto fortalece essa diretriz.

 

Por outro lado, um fator que pode estar onerando o projeto é o investimento em novas vagas. Agregue-se que o Edital não define claramente onde elas serão criadas, citando somente as 6352 vagas do Setor Ipê Branco, a serem criadas ou revitalizadas, para as quais são destinados R$ 34,5 milhões, ou R$ 5426 por vaga, o que traz dúvidas sobre a busca efetiva pela rotatividade ou, em caso mais grave, quanto ao adensamento da ocupação de veículos sobre as áreas verdes do Plano Piloto.

 

Relevante também reafirmar a necessidade de que a cidade para as pessoas seja favorecer com que a essas seja destinada a superfície. Assim, sugere-se avaliar que bolsões de estacionamento possam ser subterrâneos em vez de em superfície.

 

VI. Quanto aos aspectos sociais do projeto, sugerimos:

1. Incluir obrigação à empresa de propor, executar e prestar contas de programa de ação social que busque incorporar os atuais guardadores de carro na implementação do projeto ou reduzir o impacto gerado na renda dos trabalhadores informais que podem vir a ser afetados por ele.

 

Justificativa:

Em todos os estacionamentos comerciais existentes no Plano Piloto há atividades informais vinculadas gerando receita aos seus praticantes. Não é possível que a geração de receita oriunda de sua implantação não tenha como meta a redução de eventual impacto negativo à renda desses trabalhadores.

 

Esperamos ter contribuído ao debate e à implementação da proposta. 

Brasília-DF, 13 de agosto de 2020."

 

Nota assinada por: Andar a Pé; Bike Anjo DF; Brasília para Pessoas; Coletivo MOB; Instituto Courb; Instituto MDT; Mobilize Brasil; Rodas da Paz.

 

A nota também foi subscrita pela Rede Urbanidade, que promove a mobilidade sustentável e o transporte coletivo no DF.

 

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