Vitória (ES) persegue a via da mobilidade sustentável

Situada em uma ilha, a capital do Espírito Santo reordena sua ponte mais bonita para acolher ciclistas e priorizar o transporte público. Mas ainda tropeça nas calçadas...

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 25 de abril de 2022

Ciclovia em construção na Terceira Ponte de Vitóri

Ciclovia em construção na Terceira Ponte de Vitória

créditos: Helio Filho/ Secom ES




Recortada pela linha das montanhas e as águas de uma baía, a capital dos capixabas forma um só conglomerado urbano com as vizinhas Vila Velha, Serra e Cariacica. São cidades mais populosas do que Vitória, que tem 369 mil habitantes [IBGE, 2021], mas no dia a dia urbano o que conta de fato é a dinâmica da metrópole onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas, que circulam para trabalho, estudo, serviços ou lazer...  

 

Um desses cidadãos é o arquiteto Rodrigo de Carvalho, que foi o responsável pelas avaliações na capital capixaba para o Estudo Mobilize 2022. Ele é arquiteto, coordenador de monitoramento urbano na gerência de Gestão Urbana da Secretaria de Desenvolvimento e Habitação de Vitória. Atua na academia e na administração pública, e é membro do Conselho da Pessoa com Deficiência (Comped). Diariamente, ele se desloca por ônibus, a pé ou em carro de aplicativo: "Costumo sair de Vila Velha, com destino à capital. Como Vitória é uma ilha, normalmente faço a travessia de ônibus para cruzar a ponte e complemento meu trajeto a pé. Às vezes, em função de outros compromissos, solicito um veículo de aplicativo", conta.

 

Rodrigo de Carvalho, no ônibus, a caminho do trabalho Foto: Arquivo pessoal 


Carvalho atua na Prefeitura de Vitória, em temáticas de caminhabilidade e paisagem e, como membro do Comped, dedicado à acessibilidade. No órgão, ele ficou a par das ações do município para tornar suas calçadas acessíveis. E analisa que, por conta de dificuldades da própria legislação brasileira, que considera essas obras de responsabilidade do proprietário do imóvel, o cenário é de descontinuidade dos trajetos. Por isso, o poder público tem concentrado suas iniciativas nos grandes eixos urbanos, onde ficam os corredores do transporte coletivo metropolitano, explica o pesquisador. Cabe lembrar que, em 2019, a capital do Espírito Santo teve suas calçadas avaliadas dentro da Campanha Calçadas do Brasil e, de zero a dez, ficou com a média 5,84.

 

"Há muitas frentes a desbravar para que as calçadas possam cumprir seu papel efetivo na ativação de lugares de passagem e permanência, lugares de promoção do encontro social e desenvolvimento econômico local (...). E essas não são questões isoladas, de um município ou região, mas que exigem esforços da gestão municipal, aliada à sociedade civil e a outros agentes capazes de movimentar recursos na busca de soluções", conclui. 

 

Vitória não é diferente de outras cidades do país, onde as calçadas mais generosas estão situadas nos bairros mais privilegiados, e na cidade formal, diz Carvalho: "Em bairros como Praia do Canto e Bento Ferreira as calçadas são largas e bem arborizadas, a maioria das ruas têm baixa velocidade, e criam condições agradáveis e seguras para a circulação".  Outro cenário se apresenta na Enseada do Suá, onde o pedestre, diz ele, tem muita dificuldade nas travessias, já que enfrenta um trânsito intenso no bairro que dá acesso a uma importante conexão com o populoso município de Vila Velha pela Terceira Ponte. Não bastasse, as quadras são amplas, e o pedestre ou caminha muito para chegar às travessias semaforizadas, ou se arrisca cruzando vias em locais não sinalizados. 

 

Em outro bairro, Jardim Camburi, há boas praças, dois parques urbanos e ciclovias, mas postes e árvores se tornam obstáculos nas calçadas já estreitas. "Ampliar as calçadas demandaria necessariamente ocupar o espaço das vagas de estacionamento na via, medida impopular aos olhos dos moradores e comerciantes, que manifestam preferência pela circulação de automóveis", acredita o arquiteto. 

 

Outra realidade, ainda mais complexa, se desvela nas comunidades dos morros, onde o desafio são as escadarias e rampas, o acesso ao transporte coletivo e ao comércio e serviços. Segundo Carvalho, "são regiões bem assistidas por equipamentos públicos de saúde, educação e assistência social. Também há praças, campos de futebol e espaços verdes para o lazer e prática esportiva. Mas há carências que são muito diversas daquelas de outros bairros. Ali, a situação de desigualdade se assemelha à de muitas cidades médias do país e da América Latina". 

 

"Em Vitória, coexistem muitas cidades diferentes, as quais demandam diferentes medidas para o incentivo à caminhabilidade", analisa. Há ações municipais, diz ele, para melhorias em rampas e escadarias, iluminação, drenagem; e há serviço de microônibus, para permitir o acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos serviços urbanos. E completa: "Se o relevo desfavorece a mobilidade, há que dizer que boa parte das comunidades é lindeira aos eixos de maior circulação, onde se podem encontrar as bicicletas compartilhadas, as ciclovias e os pontos de parada do transporte metropolitano".

 

A visão de quem comanda o transporte público 

 
Raphael Trés, da Ceturb-EFoto: Thalisson Bandeira/ Ascom 


Na Grande Vitória, a gestão do transporte público coletivo é feita pelo governo do estado, por meio da Companhia de Transportes Urbanos (Ceturb-ES). É o que explica o diretor-presidente da Companhia, Raphael Trés, nesta entrevista ao Mobilize Brasil, na qual tratou ainda dos planos e melhorias no sistema de transporte metropolitano, ciclovias, aquaviário e outros temas:   

 

O que é a Ceturb e qual sua área de competência?
A Ceturb foi constituida nos anos 1980 para gerir o Transcol, sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana da Grande Vitória. O sistema interliga cinco municípios [Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana] por meio de terminais que permitem ao usuário se deslocar por todos os trechos pagando uma única tarifa. Hoje a Ceturb é a gerenciadora e operadora exclusiva do sistema de transporte de passageiros na região metropolitana.

 

O subsídio ao transporte público é uma política vista como necessária para adequar os valores pagos nas catracas à renda da população. Há algum fundo estadual para financiar o transporte metropolitano?
Já temos há aproximadamente 20 anos, no Espírito Santo, uma política de subsídio do transporte público metropolitano. Hoje, o usuário do Transcol, que inclui o transporte de cinco municípios, paga uma passagem única: R$ 4,20. Essa é a tarifa, não importa a distância ou o tempo utilizado. A tarifa técnica é de R$ 5,59; assim, a cada passagem paga pelo usuário, o governo do estado entra com mais R$ 1,39. O sistema Transcol já nasceu dessa concepção: nos terminais é feita a integração física e, logo que o usuário adentra no terminal ou embarca por uma linha alimentadora, ele pode se deslocar por toda a região com uma tarifa.


Nova frota de ônibus com ar condicionado. Foto: Divulgação Ascom 

 

A gestão atual da Prefeitura de Vitória extinguiu, no início do ano, a faixa exclusiva de ônibus da Linha Verde, na Praia do Camburi. No caso do governo do estado, que medidas estão previstas para melhorar os deslocamentos na região metropolitana? 
Nenhum sistema que operamos tem corredores exclusivos, exceto o que será implantado na Terceira Ponte, que prevê faixas exclusivas para ônibus. Esse tipo de intervenção depende mais da iniciativa dos municípios, não do governo do estado. Quanto à melhoria do transporte, desde 2019 realizamos um processo de renovação do sistema; temos uma frota hoje de cerca de 1.800 carros, dos quais 600 devemos renovar, trazendo  comodidades como ar-condicionado, wi-fi nos veículos, bilhetagem eletrônica, aplicativo para conferir horários e rotas... Tem havido um aporte tecnológico importante no sistema e, para completar esses 600 veículos, até o fim deste ano devem chegar mais 210 carros. Acreditamos que, não precisando mais usar dinheiro dentro do veículo, as pessoas ganham confiança em andar de onibus sem haver roubos, e a segurança sai favorecida. Essas medidas têm refletido na demanda pelo transporte; e agora em março/abril quase voltamos a bater o volume de passageiros que tínhamos antes da pandemia, além de caminhar para zerar o déficit de usuários. A expectativa é de crescimento - temos observado um afluxo maior de pessoas que, por fatores como aumento do preço do combustível e outros, vêm deixando um pouco o carro e retornando ao transporte coletivo.  

 

Já que citou o automóvel, pergunto: o que o governo capixaba tem feito para estimular a mobilidade ativa, voltada a ciclistas e pedestres?
Além das inovações no transporte, temos buscado a mobilidade ativa em todas as obras. É o caso, por exemplo, das entradas do município de Vitória - são uma ao norte e outra ao sul, ligadas pelo que aqui chamamos de "reta do aeroporto", agora denominada rodovia das Paneleiras*. Ali, uma terceira faixa foi construída para a implantação de uma ciclovia de quatro quilômetros de extensão. Também há as obras da Terceira Ponte, que falei, na ligação entre Vitória e Vila Velha, iniciadas no ano passado. 

 

A propósito, em que estágio estão as obras da ciclovia na Terceira Ponte, e quando ela será finalmente entregue?
A obra é de responsabilidade da Secretaria de Mobilidade (Semobi) e nós não temos todas as informações sobre o andamento dos trabalhos. Mas, como disse antes, a ligação entre a capital e Vila Velha é feita por meio de pontes que atravessam o canal do porto de Vitória. E a Terceira Ponte é mais bonita delas: fica no extremo do continente, na parte mais exterior do canal. Nesse ponto está sendo construído a chamada Passarela da Vida, um sistema de passarelas com 3,5 m de largura de cada lado, que será incorporado à estrutura da ponte para, no caso, servir exclusivamente como ciclovia. Esse nome - Passarela da Vida foi dado porque a obra faz parte de um programa para melhorar a segurança ao longo da ponte. E será um novo cartão postal de Vitória, já que a vista lá do alto é espetacular. 

 

E qual o cronograma para a entrega do projeto?
Conforme as previsões da Secretaria de Mobilidade, a parte de infraestrutura da ciclovia da Terceira Ponte será entregue até o final de 2022. Em seguida, passaremos à obra propriamente dita do tabuleiro da ponte. A ponte tem hoje duas faixas, que passarão a ser três de cada lado, uma delas dedicada exclusivamente ao transporte público. Serão duas faixas de rolamento de cada lado para veículos leves, e uma para ônibus, num total de seis faixas. Já a passarela da ciclovia é uma estrutura adjacente. A obra como um todo - ciclovia e pistas no tabuleiro - está prevista para ser concluída em maio de 2023. Mas, mesmo que a ciclovia fique pronta antes, não há como liberar a obra.


E quanto aos pedestres, haverá alguma estrutura de calçadas na Terceira Ponte?
Não há previsão de calçadas, nem de trânsito de pedestres pela ponte. Isso simplesmente porque, quando foi lançado o projeto, a questão não se colocava - a estrutura planejada contemplava apenas a ciclovia.


Ainda na década de 1990, o sistema aquaviário na região de Vitória foi desativado. Não há alternativa para este modal?
O modo aquaviário voltou a ser estudado nos últimos anos, e há inclusive um projeto piloto para sua reativação, que deve sair entre o final deste ano e o começo do próximo. Ele foi extinto por um motivo simples: faltou demanda. Vitória é uma ilha, e todas as ligações com Vila Velha, que era então o maior município limítrofe com a capital (hoje a população de Serra é um pouco maior) passaram a ser feitas por pontes. Com a implantação dessa infraestrutura, o que se observou foi a queda no número de passageiros das barcas, que eram mais lentas do que os ônibus e exigiam mais baldeações. O próprio sistema Transcol, quando surgiu, ajudou a "quebrar" o sistema aquaviário, já que, por via terrestre, o usuário só tinha que pegar outro ônibus dentro do terminal, o que dinamizou as viagens. Agora, o projeto piloto deve sentir o "apetite" da população por andar de lancha novamente na travessia do canal. Inicialmente serão quatro estações, em Vitória, Vila Velha e Cariacica. A intenção é maximizar o investimento e reduzir custos investindo em lanchas com mais tecnologia. Mas ainda é uma incógnita se vai funcionar. 

 

A bicicleta é alternativa para o deslocamento entre os municípios da Grande Vitória? Há um sistema de bicicletas compartilhadas na Grande Vitória?
O sistema de bicicletas compartilhadas opera apenas em Vitória e Vila Velha, e é um serviço segmentado, ou seja, em cada município o operador é diferente. Assim, não é possível usar esta bicicleta para ir de um lado a outro, porque não haverá estações do mesmo operador para poder devolvê-la. O que temos, que permite o transporte de bicicleta, é uma linha de ônibus do sistema Transcol, a "Bike GV", que faz o transbordo do veículo pela Terceira Ponte, entre Vitória e Vila Velha. O custo ao ciclista é de R$ 2,10, metade da tarifa normal. O ônibus sai de uma cabeceira da ponte e de lá mesmo, volta. Então, o ciclista mais ativo tem esse transporte entre um município e outro, mas terá dificuldade em guardar a bicicleta, já que não dispomos de bicicletários públicos. Pessoalmente, falando como cidadão não como gestor, devo dizer que Vitória, apesar de plana, é uma cidade muito quente e pedalar longos trechos não é fácil, do mesmo modo como fazer grandes trajetos a pé, porque a cidade não dispõe de arborização suficiente para aplacar o calor.

 

Notas:
*Rodovia das Paneleiras é o novo nome da via de acesso norte ao município de Vitória. É uma homenagem às panelas feitas com barro da região do Mulembá, para cozimento da famosa moqueca capixaba.
** Texto editado e ajustado em 4/5/2022 conforme solicitação e sugestões da assessoria de imprensa da Ceturb.


 

Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.


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