A mulher que está salvando 1.600 bikes deixadas pela Uber no México

Desde que o programa de e-bikes compartilhadas faliu na Cidade do México, uma mecânica de bicicletas vem recuperando e transformando a frota elétrica em bikes normais

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Fonte: Rest of World  |  Autor: Rest of World/ Mobilize (tradução)  |  Postado em: 15 de outubro de 2021

Bicicatarinas na Cidade do México: de volta à vida

Bicicatarinas na Cidade do México: de volta à vida urbana

créditos: Divulgação

Kristel Paredes Álvarez, uma jovem de 27 anos, é mecânica de bicicletas. Ela trabalha na Bicitekas, uma organização sem fins lucrativos que promove o ciclismo na Cidade do México. Desde que Jump by Uber deixou a capital do país, em agosto de 2019, sua tarefa tem sido usar a engenharia reversa para pôr em funcionamento as 1.600 bicicletas elétricas resgatadas do que ela chama de "ciclocídio". 

 

Com esse objetivo em mente, a profissional está convertendo pesadas bicicletas de alta tecnologia em veículos mecânicos funcionais. Mais de 500 bikes já foram recicladas para serem reaproveitadas pela Ong. Kristel conhece bem essas e-bikes, porque trabalhou como mecânica da Jump até que a empresa desistisse do projeto de compartilhamento.

 

Ela explica como se tornou uma técnica de bicicletas: "Em pequena, estava sempre consertando coisas em casa... Éramos todas mulheres e um dia cansei de esperar que meu pai ou meu tio fizessem a instalação elétrica no meu quarto; a partir daí passei a me encarregar de tarefas como essa sozinha. Tinha apenas doze anos."

 

Leia a seguir o depoimento da jovem mecânica sobre vida, carreira, vocação, bicicletas e expectativas... 

 

"Quando criança, eu queria ser veterinária. Mas a vida e os problemas financeiros tinham planos diferentes para mim. Depois de abandonar a universidade em 2017, juntei-me à equipe de mecânicos da Ecobici, o sistema público de compartilhamento de bicicletas da Cidade do México. Foi uma boa combinação: pude usar ferramentas, praticar as habilidades mecânicas que aprendi sozinha no Youtube e consertar bicicletas.

 

As bicicletas são muito importantes para mim. Considero que sou uma pessoa superconsciente sobre as mudanças climáticas, de modo que acredito nas bicicletas como meio de transporte. Pedalar também tem sido uma terapia e um apoio emocional, desde pequena. Senti então que a vida me oferecia aí um bom caminho.

 

Quando consegui o emprego de mecânica da Jump em 2019, fiquei emocionada. Ecobici foi minha escola e meu primeiro trabalho como adulta. Mas vi que lá nunca iria crescer profissionalmente. Foi quando alguns colegas deixaram a Ecobici para trabalhar na Jump, que havia sido lançada recentemente no México. Infelizmente, durou apenas oito meses.

 

Em maio de 2020, a Uber vendeu a Jump para a Lime. Na Cidade do México, assim como em outros locais, a Uber decidiu destruir centenas de bicicletas motorizadas, já que a Lime não queria entrar no mercado mexicano após sofrer com roubos de patinetes elétricos no país.

 

Foi quando me ligaram dizendo que a Bicitekas procurava alguém que soubesse como funcionavam as bicicletas da Jump. Eles tinham feito a oferta simbólica à Uber de um peso por cada bicicleta. Fecharam o acordo, com a condição de que eliminassem as baterias de lítio e que não fosse replicada a tecnologia da Uber. Assim, num primeiro momento, a equipe da Bicitekas se pôs a arrancar cabos a esmo, sem estratégia definida.

 

Esse trabalho era algo que eu dominava mesmo com o breve período na Jump. Ao pedalar, o motor de 250 watts das bicicletas aciona a roda dianteira, que tem aro de alumínio de 26 polegadas, e isso permite atingir até 50 km/h (embora as regras de trânsito não permitam ultrapassar 30 km/h).

 

Tornei-me chefe do departamento de mecânica da Bicitekas, uma tarefa difícil para uma jovem em uma indústria repleta de homens; e em um país como o México. Primeiro, tive que mostrar à minha equipe que era capaz de levar uma bicicleta de 30 quilos para a oficina e que sabia como consertá-la.

 

O primeiro desafio foi remover o motor da bike. A tecnologia por trás dessas bicicletas é inteiramente chinesa, e todas as peças, até coisas mais simples como lâmpadas, não estão disponíveis no México. Na Jump, aprendemos como repará-lo por tentativa e erro. A princípio, pensamos em tirar totalmente a roda motorizada. Mas, durante a pandemia, não havia peças sobressalentes para substituí-la.

 

Por fim, descobrimos um modo de remover o motor, o que exigiu a desmontagem da bicicleta para acessar todos os cabos e conexões internas. Também removemos a fechadura e o controlador de interface, que é o “cérebro” da bicicleta elétrica. Não tocamos no sensor de assistência do pedal, mas colocamos um remendo na estrutura para esconder a falta de motor e bateria.

 

Depois disso, as bicicletas ficaram 10 quilos mais leves e o design original do quadro era tão confortável que realmente não importava que fossem mais pesadas do que uma bicicleta mecânica normal.

 

Depois de entender o processo, demoramos uma semana para converter 40 bicicletas. Demoro três horas para consertar uma bicicleta. Levaria 125 dias de trabalho ininterrupto para fazer a engenharia reversa das mil bikes restantes. Mas primeiro precisamos de recursos para isso.

 

As primeiras 500 que recuperamos foram destinadas para empréstimo na área Azcapotzalco, na Cidade do México. Com a receita que alcançamos com o empréstimo das bicicletas nesse bairro, 104 mil dólares anuais, combinada com os reparos e vendas de peças de reposição, agora estamos tentando criar opções alternativas para incorporar alguma forma de tecnologia nas 1.000 bicicletas Jump que ainda temos em estoque.

 

Acredito que ainda podemos transformá-las em bicicletas elétricas sem a tecnologia do Uber. Tenho trabalhado na otimização do motor e em alguma forma de transformar a energia do pedal. As bicicletas Jump eram de alta tecnologia, mas existem muitas soluções alternativas.

 

Fizemos alguns testes com a marca mexicana Mastretta, que também tem e-bikes. Fomos capazes de adaptar sua tecnologia de e-bike a algumas das bicicletas da ex-Jump. Os sistemas funcionaram bem, mas ainda é muito caro para nós.

 

Inserir uma nova bateria também é outro grande investimento que não podemos pagar. Até agora, custaria US $ 350 por bicicleta. Então, por enquanto, a menos que obtenhamos algum investimento ou outro negócio como o de Azcapotzalco, essas bicicletas restantes permanecerão no depósito.

 

Estou confiante de que encontrarei uma solução. Tenho a experiência de meus empregos anteriores e interesse em ajudar mais pessoas em áreas marginalizadas. Nossas Bicicatarinas - nossas bicicletas joaninha, como são chamadas em Azcapotzalco - têm ajudado mulheres empresárias a entregar seus produtos em toda a cidade."

 

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