Com corredores, Campo Grande tenta acelerar seus ônibus

Dez anos após recusar o VLT, a capital tenta "libertar" o transporte coletivo com a adoção de corredores exclusivos

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Du Dias/Mobilize Brasil  |  Postado em: 06 de maio de 2022

Corredor de ônibus em Campo Grande: meta de 54 km

Corredor de ônibus em Campo Grande: meta de 54 km

créditos: Foto: Denilson Secreta/Agetran

 

 


Espraiada e em constante expansão, Campo Grande não difere muito das médias e grandes cidades brasileiras no que diz respeito à oferta de trabalho, concentrada na região central, em oposição às moradias mais acessíveis, dispostas majoritariamente nas periferias. Mas, na oferta de transportes, a capital de Mato Grosso do Sul fica abaixo da média: a cidade depende  inteiramente do transporte por ônibus, que são reféns da sobrecarregada malha viária campo-grandense, especialmente nos horários de pico.


A ausência do transporte de alta capacidade, a modesta rede cicloviária e a precariedade das calçadas chamam atenção em uma cidade que conta com planos diretores desde 1995, antes mesmo do documento passar a ser uma exigência do Estatuto das Cidades, norma que regulamenta desde 2001 as políticas urbanas no Brasil. No entanto, mesmo depois de duas revisões, o Plano Diretor Municipal ainda não foi capaz de superar o "rodoviarismo'' que engessou Campo Grande. Entre os anos de 1920 e 1930, quando o crescimento da cidade começou a ser projetado, o transporte sobre pneus parecia ser a solução definitiva para a circulação urbana.


Assim, Campo Grande ganhou ruas e avenidas largas, quase sempre arborizadas[1], para garantir conforto e eficiência aos usuários de veículos motorizados, conceito que levou à sua expansão urbana sem limites e aos problemas inerentes ao excesso de carros e motocicletas nas ruas.


Em 2012, a cidade chegou a discutir a implementação de um Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), inicialmente conectando a região do Terminal Guaicurus ao Aeroporto Internacional de Campo Grande. Apesar de contar com recursos federais e de aproveitar o trajeto de uma antiga linha férrea, dispensando os custos das desapropriações, o projeto não prosperou, tendo sido rejeitado pela Câmara Municipal à época. Os vereadores temiam pelos custos de manutenção e operação do sistema e o engenheiro civil Antônio Carlos Marchezetti, um dos responsáveis pelo Plano Diretor da cidade, defendia o Bus Rapid Transit (BRT, ou ônibus de Trânsito Rápido), como alternativa viável. Na prática, a cidade ficou com as faixas exclusivas para a circulação dos coletivos.


No momento (agosto de 2022), a Prefeitura está anunciando a realização de audiências públicas para a revisão do Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana, originalmente elaborado em 2009.


Corredores de ônibus
Em abril passado, a Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) inaugurou o primeiro trecho de 3,5 km de corredores exclusivos, com estrutura própria para embarque e desembarque dos passageiros, o que permitiu um aumento de 30% na velocidade média dos ônibus, segundo informações divulgadas pela agência. Quando toda a malha de corredores, com mais de 54 km, estiver funcionando, a expectativa é que a velocidade média dos ônibus suba de 16 para 20 km/h.


O sistema baseado em ônibus atende a 200 mil passageiros por dia, com a tarifa de R$ 4,40 e gratuidade para idosos e estudantes, mas “a tarifa permite apenas uma integração no período de uma hora, o que é insuficiente para o deslocamento de boa parte dos usuários, que moram nas regiões mais afastadas”, aponta a arquiteta e urbanista Cleo Nicolau Nascimento, parceira do Mobilize Brasil na coleta de dados para o Estudo Mobilize 2022.

 

Cleo Nicolau Nascimento: tarifa alta é barreira para acesso ao transporte Foto: Arquivo pessoal

 


Em entrevista, Cléo Nascimento citou também os desafios para quem se locomove a pé ou de bicicleta pela cidade. “A prefeitura implantou um projeto chamado Reviva Campo Grande, com melhorias para a mobilidade ativa apenas na região central da cidade. A avenida 14 de Julho teve as calçadas alargadas, deixando apenas uma faixa de rolamento para os carros, mas a via não foi totalmente pedestrianizada e não houve integração com a bicicleta”, destacou a arquiteta. “A avenida corta a Afonso Pena, uma das mais importantes da cidade, que possui uma ciclovia de 8 km de extensão. Porque não colocaram uma ciclovia na 14 de Julho também?”, questiona Cleo, que também lamenta a falta de integração entre as ciclovias da cidade.


A colaboradora do Estudo Mobilize 2022 lembrou ainda a falta de empatia e de respeito às leis no uso e no planejamento do sistema de mobilidade campo-grandense. “A educação dos motoristas com relação aos ciclistas é precária e ainda persiste certo atraso, de pensar nas ciclovias apenas como forma de lazer e esporte. Há um projeto em uma região afastada do centro da cidade, por exemplo, chamada Parque dos Poderes, onde está sendo criada uma nova ciclovia, mas também desconectada das demais, e com o foco apenas no lazer”.


A regulamentação de calçadas de Campo Grande data de 2010, quando a prefeitura publicou o Guia Prático de Construção de Calçadas, documento que foi revisado em 2019. No mesmo ano, a cidade foi uma das avaliadas na Campanha Calçadas do Brasil, quando obteve a média 6,29 (numa escala de zero a dez). A capital sul-mato-grossense obteve uma boa avaliação da largura das calçadas e também sobre a existência de barreiras e obstáculos nos caminhos dos pedestres. Mas, tropeçou na falta de regularidade do piso das calçadas e na baixa oferta de rampas de acessibilidade, além da quase ausência de semáforos para pedestres.


As condições das calçadas e a violência do trânsito são outros fatores que tornam a experiência da mobilidade ativa menos convidativa. Conforme dados do Batalhão de Polícia Militar de Trânsito (BPMTran), de janeiro a março deste ano, 27 pessoas morreram no trânsito de Campo Grande, um crescimento de 68,7% em comparação com o mesmo período de 2021.


O Mobilize Brasil encaminhou um pedido de entrevista à Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) para discutir os desafios de mobilidade e os projetos para a cidade, mas até o fechamento deste texto, o órgão da prefeitura ainda não havia se manifestado.

 

Nota:
1. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, a cidade de Cuiabá tinha um índice de 96,3% de suas vias com algum tipo de arborização.

2. Texto atualizado em 9/8/2022.


Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.

 

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