Tarifa zero, custo alto e conta que não fecha: os dilemas de SP

Thiago Silva, do Plamurb, discute os dilemas do transporte público paulistano: como manter a qualidade, reduzir preço e fazer a transição para ônibus com baixas emissões?

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Fonte: Plamurb  |  Autor: Thiago Silva/Plamurb*  |  Postado em: 22 de novembro de 2022

Ônibus circulando no Largo São Francisco, Centro d

Ônibus circulando no Largo São Francisco, Centro de SP

créditos: Thiago Silva/Plamurb


Com a tarifa congelada em R$ 4,40 desde janeiro de 2020, a Prefeitura de São Paulo enfrenta o desafio de manter o sistema de ônibus em funcionamento, sem perder a qualidade, e se possível, com a renovação da frota, por veículos elétricos. Reproduzimos artigo do especialista Thiago Silva, que recupera um pouco da história e aponta desafios.

 

"O título deste artigo pode até soar um pouco alarmante, mas ele retrata a situação real do sistema de transporte por ônibus da capital paulista. Cansamos de escrever artigos mostrando alguns pontos importantes que deveriam receber olhares mais atentos do poder público, fato que, ao menos por enquanto, não se concretizou.


A prefeitura vem, de todas as formas, tentando equacionar e dar ao serviço aquilo que muitos passageiros esperam, mas as tentativas ainda estão muito aquém do ideal. Para vocês terem uma ideia, em nosso último artigo, revelamos o custo do transporte nos últimos oito anos e os respectivos valores dos subsídios. Agora, em 2022, a prefeitura irá arcar com, praticamente, 50% dos custos. É natural que, em situações como esta a ideia tão sonhada da tarifa zero volte à baila. O Plamurb também abordou esse tema em outras oportunidades, inclusive com uma eventual reestatização do sistema.


Voltando a falar sobre a tarifa zero, fomos surpreendidos há alguns dias com uma declaração do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sobre um estudo sobre a possibilidade de implantar tal medida na cidade. Em sua justificativa ele diz que o desafio é encontrar formas de financiar o sistema, que custa quase dez bilhões de reais por ano. “Desses R$ 10 bi, a gente arrecada em torno R$ 6 bilhões e a Prefeitura complementa com R$ 4 bilhões, mantendo essa tarifa de R$ 4,40”, disse Nunes em uma entrevista.


De acordo com o prefeito Nunes, a prefeitura solicitou à SPTrans um estudo jurídico e financeiro para avaliar a possibilidade da tarifa zero na cidade. O prefeito explicou que o objetivo é “fazer com que o transporte coletivo seja mais utilizado e utilizar menos o transporte individual”.


Ricardo Nunes descarta utilizar os aproximadamente R$ 32 bilhões que a gestão do município tem em caixa, já que a maior parte deste recurso está empenhada ou vinculada a outras áreas da cidade. Para Nunes, uma das alternativas estudadas é usar o valor que os empregadores pagam aos funcionários para o transporte. A Câmara Municipal se encarregará de iniciar a discussão do projeto nos próximos meses.


Dias depois, porém, em Audiência Pública sobre o orçamento para o ano de 2023, as discussões focaram em como manter o serviço. Segundo a SPTrans, o custo do transporte no próximo ano será de R$ 12 bilhões, sendo que com a tarifa se arrecadará cerca de R$ 5 bilhões. A diferença, no caso, R$ 7 bilhões, seria aportada pela prefeitura por meio dos subsídios. Entretanto, ela quer reservar metade desse valor, ou seja, faltariam cerca R$ 3,5 bilhões para manter o sistema. A situação delicada reforça que o sistema paulistano está à beira de um colapso. Um colapso que, a qualquer momento, fará com que a cidade fique sem ônibus.


Tarifa Zero em São Paulo é possível?
O Plamurb ainda acredita que a gratuidade não seja possível em uma cidade do porte de São Paulo. Em cidades menores, por lado, sim, é possível, como já ocorre em muitas delas pelo país. No caso de São Paulo acreditamos que uma tarifa menor é possível sim, e muito. Ousamos dizer que até por metade do valor atual. Entretanto, nós não nos aprofundamos nos estudos. Talvez a prefeitura, ao propor a tarifa zero, esteja vendo aquilo que nós não estamos enxergando.


É importante deixar claro que a tarifa zero por si só não resolveria os problemas. Serão necessárias diversas outras ações para tornar o transporte púbico mais atrativo e inclusivo, pois correríamos a risco de sair um buraco e se enfiar em outro.


Por que o transporte público é tão caro

v Falta de uma grande infraestrutura para os ônibus (corredores, faixas exclusivas, preferência semafórica) que permitiria velocidade maiores, viagens mais rápidas e eficientes. Esse ponto é essencial. Como reduzir custos se os ônibus ficam presos no trânsito?


v Excesso de seccionamentos de linhas, obrigando o passageiro a realizar várias baldeações em sua viagem. E a cada baldeação, a empresa é remunerada, fazendo com que o custo daquele passageiro dobre ou triplique.


v Reduzido número de linhas perimetrais que permitem ligações rápidas sem a necessidade de se dirigir até o centro da cidade. Hoje, o sistema é essencialmente operado com linhas radiais e esse tipo de linha, via de regra, tem uma baixa eficiência operacional por conta da pendularidade nos horários de pico.


v Veículos inadequados para determinadas linhas ou viários, o que acaba por encarecer o custo operacional.


v Falta de políticas tarifárias que beneficiem o passageiro, o que poderia atrair novos passageiros ao sistema. É o caso dos bilhetes temporais, diga-se de passagem, uma ótima ideia, mas que foi parcialmente desmantelada na gestão Doria (PSDB).


v Inexistência de novas fontes de financiamento, com recursos oriundos de outras atividades, que poderiam cobrir parte dos custos, reduzindo o custo global ou os subsídios públicos.

 

“Não existe almoço grátis”
É normal que quando da sugestão da tarifa zero, a frase acima seja repetida por parte daqueles que são contrários à proposta. Mas esses mesmos se calam quando concessões milagrosas são colocadas na praça, onde o setor privado se mantém às custas de vultosos repasses do poder público. Se é para usar desse argumento, que se use em todas as situações. Aqui nesse outro artigo, explicamos melhor.


Caberia uma reestatização do sistema?
Depende. O Plamurb simpatiza com a ideia, mas com ressalvas. Primeiro que não estamos falando da volta da antiga e saudosa Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC). Estamos falando de uma reestatização parcial do serviço, englobando, por exemplo, algumas linhas que não despertam interesse ou são mal operadas pelas atuais empresas.

Essa reestatização poderia começar com as linhas de trólebus e depois passasse para as linhas mais afastadas, menos rentáveis ou mal operadas. Talvez até algumas linhas troncais. A própria CMTC fazia esse tipo de intervenção.

Considerando a atual situação do sistema de ônibus, a reestatização não deverá ser vista como uma manobra ideológica. O que queremos dizer com isso? Que talvez essa reestatização poderia vir, inclusive, de uma gestão pautada por práticas liberais na economia. Será simplesmente uma decisão baseada na matemática. Uma matemática que deverá ser profundamente pensada visando à melhoria da qualidade do serviço. O orgulho liberal deve ser deixado de lado pelo bem comum.


Esses mesmos problemas podem afetar o sistema sobre trilhos?
Sim, podem, caso não se mude o modelo de concessão de linhas metroferroviárias adotado pelo governo paulista. Mas em uma eventual mudança do modelo, isso seria ruim para o Estado e para os futuros interessados em operar tais linhas. Primeiro porque ficaria mais difícil conceder, indo contra os objetivos do governador. Segundo que ficaria menos atrativo para a “iniciativa” privada. Alterar o modelo de concessão seria benéfico para a população, a maior interessada na boa prestação do serviço. Mas, como dito, inviabilizaria os planos estaduais. Sendo assim, o colapso hoje iminente, será pauta futura, dessa vez com foco nas linhas sobre trilhos.


A tarifa vai aumentar em 2023?
O valor da tarifa está congelado desde 2020. É muito provável que aumente ano que vem, até como alegação em decorrência dos custos descritos acima. Segundo reportagem veiculada no G1, a prefeitura já iniciou os estudos sobre aumentar ou não. “Da tarifa, a gente ainda está fazendo análise. Evidentemente será em dezembro que estaremos tomando a decisão com relação ao ajuste tarifário ou não”, disse Nunes.


O prefeito afirmou que vai sentar com o governador eleito do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para tomar uma decisão sobre o reajuste em conjunto ou não, já que há a integração do bilhete único com o Metrô e a CPTM, fato esse que não impede esse aumento concomitante.

"A decisão final da tarifa, evidentemente, preciso sentar com o governador que vai estar assumindo para discutir a questão tarifária, porque também tem a questão da integração, mas não tenho nesse momento uma decisão final se terá uma correção ou não”, declarou.

Seja lá o que forem decidir, o transporte público precisa ter um olhar social, fato esse que a prefeitura vem ignorando há anos. Vamos repetir: transporte não é um produto de prateleira."

 

*Artigo originalmente publicado por Thiago Silva, no Plamurb com o título "Tarifa zero, custo alto e conta que não fecha: transporte público paulistano à beira de um colapso". Leia o original no site do Plamurb.


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