Uma análise dos dados oficiais sobre o fluxo financeiro das empresas de ônibus da cidade de Niterói (RJ), obtidos com exclusividade pelo jornal O Globo, mostra que houve 'uma espécie de milagre de multiplicação dos lucros'. Essa é a impressão que ficou após as viações declararem que tiveram uma despesa de R$ 220.271.787,97 e uma arrecadação de R$ 216.005.163 em 2012.
Na teoria, essa diferença representaria um prejuízo de R$ 4.266.624,97 para os dois consórcios que operam no município. Porém, os balancetes financeiros das companhias apontam um faturamento líquido de R$ 15.801.933,75 no mesmo período.
Para o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Transporte Público (CPI dos Ônibus), vereador Bruno Lessa (PSDB), a diferença de R$ 4,2 milhões entre os custos declarados e a arrecadação é um forte indício de que os números do setor não estão corretos.
"As planilhas das empresas são inconsistentes, não se sustentam. Quem já viu empresário operar com prejuízo? Há um erro claro, que influencia o cálculo da tarifa. Temos de investigar isso", afirma Lessa.
Os relatórios de custos das empresas são utilizados no estudo que determina o valor da passagem em Niterói. Pelo método adotado na cidade, o volume total de despesas é dividido pelo número de passageiros pagantes. Com os dados apresentados à prefeitura, a tarifa ficaria em, no mínimo, R$ 2,80. Hoje, está em R$ 2,75 — em depoimentos à CPI, representantes das empresas de ônibus de Niterói afirmaram que, historicamente, as passagens sempre foram reajustadas abaixo do valor previsto nas planilhas que indicam o preço ideal.
Segundo técnicos da CPI, o cálculo não leva em conta o lucro das viações, que, pelo atual contrato de concessão, deve corresponder a 8,5% do volume total de despesas — as empresas alegam que, para atingir a meta, a passagem deveria custar em torno de R$ 2,90. Mas, para Lessa, a passagem não necessita de reajuste.
"Ao contrário dos dados apresentados à prefeitura, balancetes contábeis das empresas de ônibus de Niterói indicam que elas tiveram lucro nos últimos anos. Em nenhum período operaram com prejuízo", diz o presidente da CPI, referindo-se a documentos que apontam um faturamento de R$ 15,8 milhões em 2012.
As planilhas estudadas pela CPI constam no Registro Mensal de Operações (RMOs) — relatórios, produzidos pelo setor, sobre quantidade de passageiros transportados, quilometragem rodada pelos veículos e outros indicadores. Segundo técnicos da comissão, ano passado foram registradas 78.547.332 passagens. De acordo com os documentos, a frota, de 766 ônibus, rodou a um custo de R$ 4,56 por quilômetro. As companhias tiveram um lucro bruto de R$ 42.998.235,35. Líquido, descontados impostos e gastos operacionais, foi de aproximadamente R$ 16 milhões.
"Há duas hipóteses. Ou o número de passageiros informado é muito menor do que o realmente transportado ou o custo das empresas está muito elevado. A CPI tem de caminhar para responder a essas duas questões", diz Lessa.
Representantes do setor ouvidos pelo GLOBO-Niterói informaram que nas planilhas de 2012 já estava incluído o lucro das empresas. A diferença de cerca de R$ 4 milhões, afirmam, foi abatida no faturamento final do setor. Até o fechamento desta edição, a equipe de reportagem não conseguiu localizar os responsáveis pela elaboração do cálculo do valor das passagens.
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