A questão não é táxi ou Uber

Artigo mostra que solução para as cidades não está nem no corporativismo de uma classe, nem no suposto livre mercado. Ter em vista o benefício coletivo é o que importa

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Fonte: O Tempo  |  Autor: Roberto Andrés  |  Postado em: 21 de julho de 2016

 

Foto: Reprodução

Táxi ou Uber? Essa foi uma das primeiras perguntas que recebi quando comecei a escrever neste jornal. A empresa americana de transporte urbano vem tomando um mercado que, em muitos lugares, estava em zona de conforto. Opera em brechas legais e sem pedir licença, com a tática de colocar os usuários a seu favor nas disputas judiciais.

 

As reações de taxistas, às vezes violentas, fazem parecer que a questão é somente a quebra de um monopólio. Frente à chegada de um serviço melhor, os velhos detentores do mercado defenderiam seu privilégio. Uber, Lyft e outros serviços contribuiriam para que as pessoas tivessem mais (e melhores) opções de deslocamento.

 

Claro que há uma verdade aí, mas ela é parcial. Pensando o usuário do transporte urbano como um consumidor isolado, o Uber pode significar aprimoramento ou até libertação. Mas a cidade é um ecossistema em que as liberdades individuais devem confluir para o benefício coletivo. E, aí, o debate é mais complexo.

 

Quando olhamos para os “diferenciais” do Uber, vemos carros luxuosos, banco de couro, ar condicionado, água mineral, balas puxentas e motorista de terno e gravata – itens que podem aumentar o conforto ou o status, mas que não contribuem para a mobilidade urbana. Um atrativo recente é a versão mais barata do serviço, que mira nos usuários do transporte coletivo.

 

Aqui, é preciso ter claro que se todos os deslocamentos em uma cidade fossem feito por táxi ou Uber, ninguém se moveria um centímetro. Só conseguimos nos deslocar em grandes cidades porque uma parcela relevante das viagens é feita em transporte coletivo e a pé, modais que ocupam pouco espaço.

 

Um estudo aponta que, na cidade de Nova York, cerca de 13% das viagens feitas pelo Uber são demanda induzida, ou seja, retiram usuários do transporte coletivo. São cerca de 600 “táxis” que não estariam circulando se o serviço não existisse.

 

Utilizando métodos de cálculo de externalidades do trânsito, o arquiteto Rafael Lemieszek demonstra que, nessa situação, o Uber em NY aumenta em 4% os tempos das viagens. Pode parecer pouco, mas o cálculo aponta uma perda anual de U$ 260 milhões em horas perdidas no trânsito, acidentes, poluição, etc. Em suma, as externalidades geradas são maiores do que a receita do aplicativo e dos motoristas.

 

Há ainda a relação com os motoristas, em que o Uber se coloca como intermediador, mas com práticas que indicam vínculo de trabalho. Nos Estados Unidos, motoristas têm vencido processos judiciais por direitos trabalhistas – afinal, o Uber define os preços, a quantidade mínima de trabalho, regras operacionais, etc.

 

Claro que o serviço pode também gerar efeitos positivos, se fizer com que as pessoas deixem de circular em seus automóveis – reduzindo demanda de estacionamentos nas cidades. A recente criação do serviço de táxi compartilhado, em que duas ou mais pessoas compartilham a corrida, tem o potencial de tornar o transporte sob demanda mais eficiente.

 

Além disso, é inegável que a conexão entre passageiros e motoristas via celular é um avanço. Utilizada também em aplicativos de táxis e de carona, a solução gera economia de energia, tempo e deslocamento. Mas essas potencialidades só serão reais se os objetivos gerais do serviço forem a melhoria da cidade.

 

Imaginemos um aplicativo em que você poderia chamar um táxi (elétrico e pequeno) ou pegar uma carona. Os dados das viagens, abertos, seriam usados para aprimorar as rotas dos ônibus, que também seriam elétricos, e definir estações de bicicletas compartilhadas. As tarifas seriam reguladas para privilegiar os modais mais eficientes.

 

A questão não é táxi ou Uber. A solução para as cidades não está no corporativismo de uma classe, tampouco no suposto livre mercado. O primeiro visa reserva de mercado e, o segundo, maximização do lucro, mas nenhum dos dois visa a maximização do benefício coletivo.

 

O sistema de transporte que nos falta deveria colocar as melhores práticas das startups a serviço da coletividade. Como no gesto de Obama, ao levar empreendedores do Vale do Silício para aprimorar o sistema de saúde pública americano. No mesmo rumo, poderíamos ter um sistema de mobilidade eficiente, justo e ecológico, resultando na redução do tempo perdido no trânsito, acidentes e poluição.

 

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