"Bike-boom" também no Brasil?

A necessidade de isolamento social para evitar a Covid-19 é uma oportunidade para acelerar as políticas públicas que promovam o uso das bicicleta. Perderemos esta chance?

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: João Paulo Picanço  |  Postado em: 28 de julho de 2020

Pintura de

Pintura de "ciclovias corona" em Roma, Itália

créditos: StarCarSifu


Nos debates sobre as transformações causadas na sociedade pela pandemia, muitos analistas têm afirmado que mais do que acelerar inovações tecnológicas disruptivas, o contexto de pós-pandemia irá catalisar tendências que já estavam em curso.


Considerando a busca por transportes que evitem aglomerações e ambientes fechados, será que a pandemia tem acelerado a tendência de uso da bicicleta como mais uma opção de transporte sustentável nas cidades? Estamos vivendo um bike-boom?

 

Em Beijing, na China, o sistema de bicicletas compartilhadas registrou um crescimento de usuários de 150% no mês de maio, de acordo com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Já na América, Nova York teve um crescimento de cerca de 70% no início de março. E esses aumentos não foram observados apenas nos serviços de aluguel de bicicletas. Segundo pesquisa do NPD Group, as vendas nos Estados Unidos quase dobraram no mês de março, em comparação com o ano passado. Nesse sentido, considerando os dados e que boom significa rápida penetração de um determinado produto no mercado, podemos afirmar que estamos diante de uma rápida penetração da bicicleta nos mercados -- tanto como opção de transporte barato e com zero emissão de poluentes, quanto como uma alternativa saudável de atividade física ao ar livre. 

 

Todavia, e no Brasil, será que após esse inverno de pandemia viveremos uma primavera de boom das bicicletas para o bem coletivo da mobilidade e da redução da poluição do ar? Felizmente, seguindo a tendência mundial, o Brasil registrou em maio um aumento de 50% nas vendas de bicicletas em comparação com o ano anterior, de acordo com dados da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). Ressalvado o momento de crise que vivemos, podemos afirmar que esse indicador nacional tem se revelado animador e confirmado a expectativa de aceleração da tendência de uso da bicicleta no país.

 

Acompanhando essa tendência, o Reino Unido anunciou um pacote de 250 milhões de libras para criar ciclovias e calçadas mais seguras em todo o país. E a prefeitura de Milão, na Itália, onde a poluição do ar atinge níveis elevados, anunciou que transformará 35 quilômetros de sua rede de ruas em ciclovias e faixas de pedestres. Na França, foram anunciados subsídios de até 500 euros para comprar bicicleta elétrica ou um reembolso de 50 euros para reformar bikes usadas, o que tem gerado filas nas lojas e oficinas.


Em vários lugares do mundo, como Cidade do México, Buenos Aires, Bogotá, Curitiba, Vitória e Belo Horizonte, quilômetros de ciclovias corona foram assentadas da noite para o dia a fim de apoiar uma volta segura ao trabalho. Esses são exemplos de governos que tiveram a capacidade de ouvir a demanda da sociedade manifestada de forma tão evidente pelo bike-boom e de responder com políticas públicas efetivas.

 

Assim, avaliando a necessidade de isolamento social para evitar a transmissão do vírus, esse cenário revela uma oportunidade para realizar um objetivo antigo daqueles que buscam a melhoria da mobilidade urbana: acelerar a implementação de políticas públicas que promovam o uso das bicicletas. Ciclovias, bicicletários, aluguel de bicicletas e sinalização são exemplos de infraestruturas valiosas que contribuirão para a transformação de cidades mais humanas, inteligentes, criativas e sustentáveis -- cidades de vanguarda, que inspiram talentos, desenvolvimento e futuro.

 

No Brasil, as eleições se aproximam e como será que os candidatos a prefeito e vereador se posicionarão? Perderemos esse bonde ou a terceira década do século marcará uma virada para a mobilidade ativa e sustentável? É preciso cobrar dos candidatos o compromisso com essa agenda. Um estudo da Universidade de São Paulo adverte que o morador de São Paulo chega a perder até três anos de vida por causa da poluição do ar. No pós-pandemia, aceitaremos voltar ao velho normal poluído e parado no trânsito? 

 

Cabe destacar que não se trata mais de um desafio visionário e pioneiro, como o enfrentado pelo recém-falecido ambientalista Alfredo Sirkis, na década de 90, para implantar ciclovias na orla do Rio de Janeiro, nem tampouco um sonho utópico e ingênuo de Poliana. O clamor da sociedade refletido pelo bike-boom e os diversos exemplos apresentados pelo mundo tornam imperativo o engajamento das lideranças em prol de infraestruturas cicloviárias que ofereçam suporte e segurança para a acelerada tendência em curso de uso da bicicleta como alternativa de transporte sustentável. Avanços como esse dão ao planeta mais vida, alento e respeito.
 


João Picanço
é ciclista, mestre em políticas públicas e engenheiro no BNDES. Ele adverte, porém que sua opinião não reflete necessariamente as visões da instituição onde trabalha.


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