Brasília e a aposta no rodoviarismo: o caso da Estrada Parque Aeroporto

Uirá Lourenço inicia série sobre as obras e mais obras que continuam a estimular a motorização na capital do país

Notícias
 

Fonte: Brasília para Pessoas/Mobilize Brasil  |  Autor: Uirá Lourenço/Brasília para Pessoas  |  Postado em: 19 de maio de 2022

Estrada Parque Aeroporto (EPAR): sem espaço para c

Estrada Parque Aeroporto (EPAR): sem espaço para ciclistas

créditos: Uirá Lourenço


Pretendo escrever uma série de textos sobre o rodoviarismo, ou seja, o planejamento urbano voltado para o automóvel. Neste primeiro texto vou comentar sobre a Estrada Parque Aeroporto, que passou por obras, inauguradas recentemente, em 11/4/2022 (leia notícia do governo).


A via que liga o Eixão ao aeroporto foi novamente ampliada e já possuía um corredor exclusivo de ônibus (sistema BRT Sul). Com o alargamento da EPAR, agora existem nove faixas para os motoristas. Lembro como o local já foi arborizado um dia, com árvores frondosas na parte central e nas laterais da via. As obras de ampliação (em 2014 e 2021) promoveram devastação. Na comparação com as imagens do passado dá para ver que a ex-Estrada Parque ficou bem cinza.

 

A via EPAR ao longo dos anos




Decidi conferir como está após as obras e optei por ir de bicicleta num domingo para passar menos sufoco. Da Asa Norte até a Asa Sul pude ir pelo Eixão do Lazer, sem carros, e no restante do percurso o fluxo de carros seria menor do que em dia de semana. No final da Asa Sul, passada a tranquilidade do Eixão liberado para as pessoas, começaram os problemas. A travessia é de alto risco e o limite de velocidade é altíssimo (80 km/h).

 

 


Final do Eixão Sul: alto risco para os ciclistas

 


Segui caminho pela lateral da pista. No caminho me perguntava: por que não aproveitar o gramado largo para construir uma ciclovia? Outra pergunta: como explicar a falta de ponto de travessia para pedestres e ciclistas? Após enfrentar os carros em alta velocidade e cruzar acessos perigosos, cheguei à EPAR e me deparei com uma grande placa do Governo do Distrito Federal (GDF). Além do alargamento, a placa informa sobre ciclovia. Curiosamente, não consegui avistar a tal ciclovia.



 


Ciclistas em pista de alta velocidade

 


Fragmento de Ciclovia 
Como era domingo, tinha um movimento razoável de pessoas pedalando na EPAR, por lazer e esporte, a caminho do Eixão. Fiquei aflito ao ver tantos ciclistas entre os carros em alta velocidade e quase presenciei um atropelamento. 

Apesar da placa do governo que informava a obra concluída – de alargamento e construção de ciclovia –, tive dificuldade de encontrar a via para ciclistas. Pedalei um bom trecho junto aos carros até encontrar a nova ciclovia. Na verdade, é um trecho isolado e não concluído de ciclovia. Outro ponto negativo é a falta de sombra (árvores). O desconforto térmico era grande por volta das 11h.



Vale lembrar que as leis distritais incentivam o uso da bicicleta, incluindo as Leis n° 3.885/2006 (política de mobilidade urbana cicloviária), 4.397/2009 (sistema cicloviário do DF) e 6.458/2019 (política distrital de incentivo à mobilidade ativa). Entre os vários mandamentos das leis estão: viabilizar os deslocamentos com segurança, eficiência e conforto para o ciclista; eliminar barreiras urbanísticas aos ciclistas; inserir a bicicleta no sistema viário e a integrar ao sistema de transporte público; promover melhorias na circulação de pedestres e usuários da mobilidade ativa; estimular o uso da bicicleta como meio de transporte alternativo; estimular a conexão das cidades, por meio de rotas de longa distância seguras para o deslocamento entre as cidades.



As duas extremidades da ciclovia que liga nada a lugar nenhum



Infelizmente se perdeu uma boa chance de criar caminhos seguros e interligados para os ciclistas entre pontos importantes da região sul, como o aeroporto, zoológico e terminal da Asa Sul (ônibus e metrô). Em vez de um fragmento isolado de ciclovia – de pouca (ou nenhuma) serventia –, o governo deveria ter construído novas ciclovias interligadas às ciclovias existentes (por exemplo, na L2 Sul).



Seria um avanço e tanto ter uma rede cicloviária no final da Asa Sul. A rede de caminhos seguros certamente iria atrair muitos ciclistas, não só os que usam bicicleta por lazer e esporte no fim de semana, mas também os que usam (ou gostariam de usar) bicicleta nos deslocamentos diários. E ainda haveria um impulso importante no cicloturismo, atraindo viajantes de bicicleta que visitam as belezas da capital federal e arredores.



As ciclovias conectadas ainda atenderiam mais um público importante: crianças, adolescentes e jovens que estudam na região. O mapa (acessível virtualmente) revela que existem pelo menos seis centros de ensino no final da Asa Sul, incluindo Escola Classe 416 Sul, Marista e colégio militar D. Pedro II. As condições atuais desfavorecem a mobilidade ativa.



Final da Asa Sul: escolas, terminal de transporte e vias expressas




Tomemos como exemplo uma escola, a Escola Classe 416. A distância até o terminal da Asa Sul é de apenas 1 km. No entanto o percurso a pé ou de bicicleta é inviável por conta da falta de infraestrutura e das pistas expressas no caminho. Até o zoológico a distância é de 2,3 km, com trajeto também proibitivo para caminhar ou pedalar. Um professor que programe visita dos alunos ao zoo possivelmente reservará ônibus para levar os alunos e nem cogitará a possibilidade de fazer o trajeto a pé ou de bicicleta, apesar da distância relativamente curta. 

        

 

Rede de transporte com linhas de metrô, BRT e VLT. GDF, Circula Brasília (2016

 

 


Rede integrada e sustentável
Ao ver a vastidão cinza de pistas no final do Eixão e na EPAR, me pergunto qual o sentido de ampliar ainda mais o espaço para o transporte automotivo. Por que não ampliar e melhorar o já existente sistema de ônibus BRT Sul? Por que não fazer uma conexão com faixas exclusivas de ônibus entre o aeroporto e o terminal da Asa Sul? Outra alternativa (de médio e longo prazo) à ampliação viária seria executar o projeto de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que passaria pela W3 Sul e seguiria até o aeroporto.



Da promessa antiga de transporte por trilhos (obras iniciadas em 2009 e paralisadas em 2011, durante o governo Arruda) só sobrou o esqueleto no final da Asa Sul. O mapa de 2016, do programa Circula Brasília, mostra as possíveis três linhas de VLT, as linhas de BRT e do metrô expandido.




Estrutura abandonada do VLT, no final da Asa Sul

 

 

É uma pena que os projetos estruturantes raramente (quase nunca) saiam do papel. O resultado da prioridade ao automóvel é claro ao longo dos seguidos governos: congestionamentos, poluição, estresse e estacionamentos lotados. Não é à toa que a frota de automóveis no Distrito Federal cresce progressivamente e se aproxima dos dois milhões. 

 

 

Leia também:
Brasília em busca de uma nova utopia
Curitiba aposta seu futuro na renovação do BRT
Porto Velho busca um novo padrão de mobilidade
Pequim autoriza uso de táxis autônomos sem motorista de segurança
Reino Unido lança programa de empréstimo gratuito de bikes elétricas


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário