Direito à mobilidade ainda é desafio a pessoas com deficiência no país

Projetos em tramitação no Senado buscam aumentar esses direitos. Mas hoje, dificuldades são compartilhadas diariamente por 17,3 milhões de brasileiros nessa condição

Notícias
 

Fonte: Agência Senado  |  Autor: Mateus A. de Souza/ Ag. Senado/ Mobilize (edição)  |  Postado em: 21 de julho de 2022

Estatuto da Pessoa com Deficiência completou sete

Estatuto da Pessoa com Deficiência completou sete anos

créditos: Nampix/Adobe Stock

A professora universitária Michelline de Resende Angelim, de 45 anos, é mãe do Felipe, de 13 anos. O adolescente, que nasceu em Brasília, tem mielomeningocele — falha ou mau fechamento do tubo neural, que faz com que a medula, as raízes nervosas e as meninges fiquem expostas — e depende da cadeira de rodas para se locomover. Michelline destaca que faltam campanhas para educar as pessoas sobre o direito à mobilidade dos cadeirantes.

 

Ela diz ainda que, enquanto outras mães podem deixar o filho em frente à escola e seguir direto para o trabalho, ela precisa planejar cada detalhe do seu dia: "Eu tenho que descer, tenho que estacionar. Estacionando, eu tiro a cadeira, a mochila, preparo meu filho e vou ao banheiro para fazer um cateterismo, porque ele não consegue urinar sozinho. Então, eu preciso estacionar", explica.

 

Michelline com o filho, Felipe. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

 

Segundo a professora, falta conscientização sobre a importância de respeitar as vagas reservadas aos deficientes: "As pessoas não entendem, elas acham que é um privilégio, no sentido pejorativo, como se fosse um bônus..."

 

Boa parte dos equipamentos essenciais para a locomoção dos portadores de deficiência não funciona, denuncia Michelline: "Locais sem rampa de acesso; banheiros localizados no segundo piso; locais, como o Planetário, a Torre de TV, o metrô, em que os elevadores não funcionam."

 

Direitos

Dificuldades assim são compartilhadas por 17,3 milhões de brasileiros. Essa é a estimativa da parcela da população que possui algum tipo de deficiência no país, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. O número representa 8,4% do total de pessoas com mais de dois anos. O percentual de homens é de 6,9% (6,7 milhões) e o de mulheres, 9,9% (10,5 milhões).

 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 2015), que completou sete anos na quarta-feira (6), determina que o direito ao transporte e à mobilidade seja assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. 

 

De acordo com o texto, em todas as áreas de estacionamento aberto ao público devem ser reservadas vagas próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas com deficiência. 

 

Mas nem sempre esse direito é respeitado, segundo o servidor público Marcos José Zufelato, que, assim como a esposa Natália Gonçalves, é cadeirante. Com a falta de transporte público acessível, os dois têm que usar o carro diariamente. E sempre se deparam com a falta de vagas. Para eles, estacionar o carro, na maioria das vezes, demanda tempo e paciência: "Os idosos muitas vezes usam a vaga de deficiente. Pior ainda é quando uma pessoa que nem é idosa usa a vaga. Então a falta de vagas é um problema complicadíssimo no nosso dia a dia", questiona.

 

Ele explica por que o espaço reservado a deficientes no estacionamento é tão importante: "Você precisa ter um espaço, depois que abre a porta, para poder montar e desmontar a cadeira. Aquele espaço entre um carro e outro a gente sempre precisa usar. Por isso é muito complicado quando se chega em um shopping e tem uma moto parada na faixa zebrada ao lado da vaga." 

 

Marcos e Natália com a filha Rafaela. Foto: Arquivo pessoal

 

Projetos de Lei

Para garantir o cumprimento da norma e impedir que mais pessoas sejam afetadas pela falta de vagas preferenciais, tramita no Senado o PL 1.445/2022, que aumenta a multa cobrada em caso de reincidência de infração de trânsito por estacionar nas vagas reservadas às pessoas com deficiência. De acordo com o texto, a punição para infratores deve variar do dobro até o quíntuplo do valor.

 

A proposta, da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), também prevê o pagamento de indenização por dano moral difuso. Atualmente, a infração é considerada gravíssima e prevê multa de R$ 293,47, além da inclusão de sete pontos na carteira de habilitação e possibilidade de reboque do carro.

 

Na justificativa do projeto, Daniella ressalta a importância de investir na fiscalização do cumprimento das normas, e afirma que as multas têm o objetivo de atingir a devida educação no trânsito, já que intimidam eventuais infratores: 

 

“Como consequência, a finalidade da multa de trânsito é a de inibir o condutor ou proprietário de veículo quanto à prática de determinadas condutas proibidas, e não a de arrecadar recursos financeiros”, explica a parlamentar.

 

Daniella também lembra que existem outras propostas garantir o direito ao portador de deficiência. Um deles é o PL 601/2019, do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que reconhece o registro de infrações de trânsito feito por qualquer pessoa, física ou jurídica, como meio de prova apto à lavratura do auto de infração. Daniella diz que "o projeto prevê que o cidadão acione o órgão de trânsito para autuar os infratores caso seja possível", pois, segundo ela, não há como agravar a multa para o reincidente. 

 

A senadora explica que, além do agravamento da multa, a pessoa também poderá ser condenada por danos morais coletivos e que o valor destes recursos será voltado para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD). "A ideia é fazer com que o motorista infrator sinta o peso da infração no seu bolso", diz.

 

Transporte público e acessibilidade

O Estatuto concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual. No entanto, mesmo quando têm acesso ao direito, muitos cadeirantes encontram barreiras que desestimulam o uso dessa categoria de mobilidade.  

 

Motorista em Brasília ajuda cadeirante a entrar no ônibus. Foto: Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasília

 

O presidente da Organização Inclusiva das Pessoa com Deficiência, Silvestre Araújo, alerta que até numa cidade planejada, como Brasília, a falta de acessibilidade é generalizada: "(...) em Brasília, os sinais sonoros estão desligados desde 2018, nos principais pontos turísticos da cidade; temos a situação da Rodoviária do Plano Piloto, que não tem acessibilidade, os elevadores estão quebrados, as escadas rolantes estão quebradas". Com relação às cidades satélites [regiões administrativas], ele diz que hoje a mobilidade é muito reduzida porque "muitos pavilhões não têm o nível para os elevadores baixarem e os cadeirantes entrarem no ônibus. No mês passado, dois cadeirantes sofreram acidentes, ao tentar entrar no ônibus", relata Araújo.

 

Pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental — severa ou profunda — ou com transtorno do espectro autista têm direito a isenção de IPI na compra de automóveis, de acordo com a Lei 8.989, de 1995

 

No entanto, dados da Receita Federal mostram que de 2020 a 2021 houve queda de 52,2%, na venda de carros para pessoas com deficiência. Em 2020, 108.560 veículos adaptados foram comercializados. Em 2021 foram apenas 51.651.  

 

Se faltam carros, aumenta a demanda por transporte público adequado. De acordo com a regulamentação de normas e critérios para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência (Decreto 5.296, de 2004), todo o sistema nacional de transportes já deveria estar acessível desde 2014, incluindo frota de veículos, terminais rodoviários, metroviários e ferroviários. Mas num país pouco inclusivo como o Brasil, a lei está longe de se tornar realidade. 

 

Para a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégica, a isenção do IPI é uma medida compensatória pela falta de acessibilidade no transporte público. “Por conta da falta de acessibilidade no transporte público, utilizar um veículo é, muitas vezes, a única opção para uma pessoa com deficiência”, afirma Mara, autora do PL 1.238/2019, aprovado no Senado no início de junho. 

 

Em análise na Câmara, o projeto assegura à pessoa com deficiência uma nova isenção de IPI na compra de carro em caso de roubo, furto ou perda total do veículo comprado anteriormente, com a mesma isenção, em período inferior a dois anos. A legislação atual permite a isenção do IPI somente uma vez a cada dois anos.

 

Veículo adaptado para o transporte de pessoas com deficiência. Fotos: PMSJC

 

Conquistas

Autor do primeiro projeto que originou o estatuto, quando era deputado, em 2000, o senador Paulo Paim (PT-RS) ressalta as conquistas, mas lembra que ainda há um grande caminho a ser vencido no país: "Ao longo deste período, vários princípios de acessibilidade já começaram a ser incorporados pela sociedade. O uso de vagas exclusivas, a construção de rampas de acesso e os sistemas de transportes mais acessíveis são alguns exemplos positivos. Avançamos, não restam dúvidas, mas ainda temos muito que fazer, tanto na área de mobilidade quanto nas demais dimensões que o estatuto alcança." 

 

Leia também:
A falta de mobilidade nas principais ruas das capitais
Japão testa sistema para auxiliar cadeirante no transporte público
Atende é um bom serviço, mas tem lá suas falhas
Estacionar em acesso para pessoa com deficiência poderá render multa
Projeto rastreia calçadas para criar mapas de acessibilidade


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário