Com transporte precário, moradores de Queimados (RJ) apelam para charretes

À margem de um Estado que propaga a construção de BRTs e de novas linhas de metrô, entre outros investimentos em mobilidade, o município caminha no ritmo da cavalgada

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Fonte: UOL  |  Autor: Hanrrikson de Andrade  |  Postado em: 20 de novembro de 2014

Charretes caem no gosto do público em Queimados

Charretes caem no gosto do público em Queimados

créditos: UOL

 

Charretes indo e vindo por ruas de terra batida, esburacadas e mal conservadas, cavalos e burros trabalhando sob sol forte. Pelo caminho, um rastro de fezes secas, que, com o calor, tornam-se poeira espalhada pelo vento. Essa é a realidade de moradores da cidade de Queimados (a 41 km do Rio de Janeiro), na Baixada Fluminense, na manhã da última quinta-feira (13).

 

À margem de um Estado que propaga a construção de BRTs (Bus Rapid Transit, na sigla em inglês) e de novas linhas de metrô, entre outros investimentos em mobilidade urbana, o município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro ainda caminha no ritmo lento da cavalgada. Isso só é possível com vista grossa da prefeitura, já que, sancionado em 1999, o Código de Posturas do município (Lei Complementar 008/1999) proíbe esse tipo de transporte.

 

Moradores de bairros periféricos relatam que o transporte público é precário e que os pontos de ônibus estão posicionados longe das vias residenciais, o que dá força e vida longa aos charreteiros. O próprio secretário municipal de Segurança, Transporte e Trânsito, o capitão da Polícia Militar Elias José da Cruz, reconheceu a carência. Segundo ele, ainda que clandestinamente, as charretes "calam" uma demanda que o município não tem condições de suprir.

 

"Há cerca de 50 anos já funciona esse tipo de transporte no município. Ele tem resolvido de forma precária, mas tem resolvido a questão do transporte de pessoas de algumas localidades", disse.

 

As charretes começaram a circular pelas ruas da cidade há aproximadamente meio século, quando o território queimadense ainda pertencia à cidade de Nova Iguaçu --a emancipação completará o 24º ano na próxima semana. As carruagens acabaram caindo no gosto popular. Os condutores, em especial os mais velhos, são queridos pelos passageiros.

 

"Eu me sinto feliz com os charreteiros. Sou da roça. A gente tem que dar valor a eles, pois eles estão trabalhando. Eles não estão colocando o [revolver calibre] 38 nas costas da gente. Vem quem quer e quem gosta", afirmou Maria Eliza Marques, 83. "É um transporte bem mais prático. Elas estão sempre ali e nunca faltam. Até hoje, não tenho por que falar mal", comentou Simone de Azevedo, 38. "Aqui o ônibus demora muito. Às vezes você está com pressa e tem que optar pela charrete", declarou Valéria Regiane, 36.

 

No começo dos anos 2000, houve uma proposta formulada pela Câmara de Vereadores para regulamentar as charretes. Foram criadas regras como a emissão de licença para os condutores e a padronização das charretes, além da exigência de fraldões higiênicos nos animais, para que eles não sujassem as ruas. No entanto, após muita polêmica, o projeto acabou não saindo do papel.

 

Em 2012, o atual prefeito, Max Lemos (PMDB), tentou acabar com o serviço de charretes. De acordo com o governo, houve uma conversa com os condutores, mas eles não se empolgaram com a proposta da administração municipal --participar de cursos de capacitação para que eles exercessem outras funções. Porém, com a precariedade do sistema de ônibus na cidade e a resistência da população, a iniciativa de extinguir as charretes foi adiada.

 

Carona com o Zé do Galo

A bordo da carruagem de José Oliveira, o Zé do Galo, 78, sergipano que diz ser um dos primeiros charreteiros da cidade, a reportagem percorreu o trecho entre a estação ferroviária de Queimados e a localidade da Pedreira, no bairro Nova Cidade, na última quinta-feira (13). A passagem custa R$ 1,50. Para o UOL, contudo, seu Zé do Galo fez uma viagem de cortesia. "Aqui não tem tempo ruim. Às vezes chega um passageiro que está sem dinheiro na hora, mas eu não deixo de levar. Depois a pessoa paga. Alguns pagam, na verdade, outros não. Mas a gente continua", declarou.

 

Em decorrência do acúmulo de fezes, o mau cheiro é marcante durante todo o caminho. A carroça estremece praticamente do começo ao fim do trajeto, em razão das vias esburacadas. A prosa com o condutor durante a viagem de cerca de cinco minutos deixa claro, no entanto, o motivo pelo qual os moradores de Queimados tanto gostam do serviço.

 

"Todo mundo aqui me conhece. Só na charrete, já fiz mais amizades do que no bairro onde eu moro", diz ele, sorrindo. "Antes eu era o José Sapateiro. Trabalhei fazendo calçado. Depois eu montei uma rinha de galo e me apelidaram Zé do Galo. Aí fiquei com esse apelido. Para você ver: comecei trabalhando com galo e hoje trabalho com cavalo", afirmou o idoso, charreteiro há mais de 30 anos.

 

À medida em que a carruagem se afasta do centro e avança em direção à região periférica, os problemas se agravam. A poucos metros do posto de saúde da Pedreira, uma cratera na via pública faz com que charretes e automóveis tenham que desviar pela calçada. Durante o percurso, Maria Eliza Marques, 83, pede que Zé do Galo a leve até a estação ferroviária. Sem se importar com a presença da reportagem, a idosa rouba a cena.

 

"Eu agradeço muito aos charreteiros porque, não fosse um charreteiro, a gente estava na água! Se o charreteiro não leva a minha filha para o [hospital] Bom Pastor, ela tinha ganhado neném na rua", afirmou ela, em referência ao nascimento da neto, há 25 anos. "Naquela época, quem tinha carro não dava carona. Levava o carro para o caixão. O charreteiro que acudiu a gente e levou a minha filha."

 

Segundo relatos de Zé do Galo e de outros charreteiros, um condutor faz, em média, de 15 a 20 viagens por dia. Em períodos de maior movimentação, eles chegam a ganhar de R$ 30 a R$ 40 diariamente, isto é, o rendimento mensal pode chegar a R$ 1.200. O custo de manutenção é baixo, de acordo com os profissionais. Gasta-se com ferradura, ração e higiene do cavalo aproximadamente R$ 300. Se a charrete é puxada por um burro, esse valor é reduzido.

 

Secretário assume compromisso

Questionado sobre as ações da prefeitura para resolver o problema do transporte público em Queimados, o secretário de Segurança, Transporte e Trânsito, capitão Elias José da Cruz, afirmou que a ampliação da oferta de ônibus está condicionada a um estudo que será feito por uma empresa de consultoria a ser contratada, por licitação, até o fim deste mês.

 

A previsão do governo municipal é que, até o fim de 2015, a periferia da cidade tenha novas linhas de ônibus. Na versão do secretário, as charretes estariam, portanto, com os dias contados. "Essa consultoria vai verificar em todo o município as linhas de ônibus que hoje existem, se há necessidade de estender ou desviar alguns trajetos para alcançar o maior número de pessoas, além de criar novas linhas de ônibus com horários e espaços reduzidos para calar esse tipo de demanda. Só assim poderemos resolver essa questão", declarou.

 

De acordo com Cruz, apenas três meios de transporte são regulamentados: ônibus, táxi e transporte escolar. A prefeitura não faz ações de fiscalização para coibir o transporte clandestino, o que inclui charretes, vans e kombis, para "não transferir à população" um problema que se agravou com o crescimento desordenado na cidade.

 

"Antes, Queimados era apenas uma cidade dormitório. Hoje nós temos indústrias e comércio em plena expansão", disse ele.

 

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